sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Hedonismo e o evangelho maltrapilho por João A. de Souza Filho

Circulam pela rede mundial de computadores as fotos da mansão do fundador da Igreja Universal. Ele é apresentado como alguém que prega o antievangelho e de enriquecimento às custas das ofertas do povo (Como se o bispo fosse o único a usufruir destes privilégios. Investiguem-se os demais líderes de denominações como o da Igreja Deus é Amor e haverão de se surpreender os promotores da justiça). Sem dúvida, as fotos revelam uma mansão de dar inveja a qualquer residente de Hollywood. Ao vê-las, comecei a me perguntar onde “errei” e se entendi bem, ao longo destes 44 anos de ministério, o sentido do evangelho que Jesus pregou e ensinou aos seus discípulos. Por que vivi esses anos todos sem amealhar fortuna? Se aquelas fotos são realmente da casa do bispo, admito que nossos ministérios tomaram rumos diferentes ao longo das últimas décadas.
Os que defendem o enriquecimento e a vida de opulência como resultado do evangelho, como se este fosse a mola-mestra do sucesso devem ter feito uma interpretação das Escrituras por outro viés. Não sou defensor do evangelho da pobreza pregado por nossos antepassados católicos romanos, cujos respingos podem ser vistos em certas igrejas pentecostais em que os pastores vivem em estrema pobreza, enquanto a denominação a que pertencem enriquece e adquire propriedades, rádios e canais de televisão. Sim, uma teologia franciscana de pobreza na contramão da organização, pois esta enriqueceu à custa dos pobres e de seus sacerdotes que fizeram votos de pobreza.
A diferença é que certos pastores pentecostais também enriqueceram – alguns admitem uma diferença entre enriquecimento e prosperidade, em que esta é o resultado do crescimento e enriquecimento de uma nação que atinge todas as camadas sociais, o que não é o caso do Brasil.
Certos líderes denominacionais ganham salários astronômicos como presidentes de convenções, presidentes de igreja, presidentes disto ou daquilo, são colecionadores de relíquias, de carros antigos e alguns esnobam a riqueza chegando às suas propriedades de helicópteros. E são pastores de igrejas de massa, isto é, de gente simples e pobre que acorre aos seus cultos em busca das bênçãos divinas. Mas também não sou defensor de um evangelho maltrapilho – nada a ver com o livro do Branning que tem este título – em meio a uma sociedade abastada. Querer que meus amigos americanos vivam como eu vivo no Brasil é idiotice; mas pastorear gente pobre e simples vivendo como se fosse membro da classe alta americana é outra idiotice.
De qualquer maneira, viver na opulência, além do que se requer para uma vida confortável é andar na contramão da Fé de nossos pais e do evangelho pregado por Jesus e seus apóstolos. Ainda acho que a teoria de Max Weber precisa ser repensada e refletida pela igreja, pois ela prega uma riqueza adquirida pelo trabalho, em que todos os que trabalham prosperam. Contrariamente, esses ministros prosperaram com a carne e a lã do rebanho de Deus.
Claro, alguns exegetas – e exegetas interpretam textos às vezes longe do contexto – argumentam que a profissão de carpinteiro, a profissão de Jesus era coisa de gente abastada; que ser pescador era coisa de classe média, e, caso algum texto bíblico de difícil contextualização perturbe-lhes a consciência, seja por algumas declarações de Jesus ou de Paulo socorrem-se de Salomão para falar da prosperidade que Deus quer para todos os seus filhos, esquecendo que o reino de Salomão foi atacado de frente pelos profetas da época devido a opulência palaciana e a opressão social, a ponto de Salomão escravizar seus próprios conterrâneos, o que era proibido pela lei de Moisés. Teologia Salomônica hoje tão presente em alguns ministérios: vocês continuam pobres porque não têm fé. Nós prosperamos. No fim e ao cabo à custa dos pobres.
As catedrais e suntuosos santuários ou templos erguidos por católicos e pentecostais estão também na contramão do evangelho. Ficam ali inertes, fixos, como memoriais da fé, vazios de conteúdo, fechados a semana inteira. Em contrapartida, uma nova ala da igreja abriu mão dos “santuários” a favor do verdadeiro santuário que são os crentes em Jesus reunindo seus fieis em galpões, garagens e locais simples usando dos recursos financeiros em benefício da própria comunidade e da evangelização.
Não me refiro à necessidade de conforto dos fieis, pois estes, se querem conforto arcam com os custos que um prédio requer, mas refiro-me à falta de sensibilidade com as necessidades do bairro onde a comunidade de crentes está inserida. Numa comunidade pobre como a de Soweto na África do Sul em que as pessoas vivem em casas de paredes e tetos de zinco, num cômodo apenas, construir um templo de 12 milhões de dólares é ignorar o sentido do evangelho. Poder-se-ia construir casas e renovar o bairro com tanto dinheiro. Mas, o evangelho da prosperidade não vê os pobres como alvo de salvação, mas de exploração capitalista, da ilusão da riqueza, algo sem precedentes na história da igreja.
Aqui mesmo no Brasil se os líderes das igrejas usassem melhor os recursos arrecadados acabariam com a miséria do povo. Basta para tanto anunciar o verdadeiro evangelho de Jesus com poder para a transformação de vida e “fazer o bem”, como nosso Senhor Jesus Cristo, o qual “andou por toda parte fazendo o bem e curando a todos os oprimidos do diabo, porque Deus era com ele” (At 10.38). Este binômio da vida de Jesus – evangelho de poder e de boas-obras – ataca frontalmente o sistema das trevas que trabalha em prol da destruição e da morte. Enquanto o diabo opera para roubar, matar e destruir (usando também da exploração ao pobre), o evangelho de Jesus trabalha para edificar, com o poder de Deus e para melhorar a vida das pessoas com a manifestação da igreja nas boas obras. E boas obras não é ajudar as pessoas, mas erradicá-las da miséria espiritual e material que o diabo lhes impõe.
O hedonismo – prazer pelo prazer – pelo menos é coerente com sua filosofia que é de gozar a vida sem pensar no juízo eterno. “Comamos e bebamos que amanhã morreremos”. Por que se preocupar com o futuro? Viva-se o dia de hoje porque não haverá este tal juízo divino que o evangelho anuncia. Agora, um hedonismo às custas do pobre, em que as pessoas dão tudo o que têm em prol do evangelho nada mais é do que fruto de uma teologia inspirada nas profundezas do inferno. Gozar a vida explorando os fracos e pobres foi sempre tema dos profetas desde os dias de Salomão até Zacarias, o último livro do Antigo Testamento. Se um líder quer conforto é direito dele. O problema é que tantos líderes usufruem do luxo acima do conforto sem levar em conta as carências de sua comunidade.
Às vezes imagino que certas profecias do AT podem se cumprir também em nossos dias, como esta de Amós. “Vocês não querem acreditar que o dia do castigo esteja perto, mas o que vocês estão fazendo vai apressar a chegada de um tempo de violência. Ai de vocês que gostam de banquetes, em que se deitam em sofás luxuosos e comem carne de ovelhas e de bezerros gordos! Vocês fazem músicas como fez o rei Davi e gostam de cantá-las com acompanhamento de harpas. Bebem vinho em taças enormes, usam os perfumes mais caros, mas não se importam com a desgraça do país” (Am 6.4-6).
Esta última frase “mas não se importam com a desgraça do país” retrata perfeitamente a igreja brasileira: líderes e denominações que usam de meios lícitos e ilícitos para o enriquecimento de sua organização e de si mesmos em detrimento dos pobres haverão de receber duro juízo no dia de Cristo. A força evangélica da nação está diluída e os cristãos não podem fazer frente às estruturas iníquas da sociedade, porque seus líderes fazem uso da mesma estrutura perversa para fins pessoais!
Que Deus tenha misericórdia de nós!

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