sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

O DESESPERO DE TER QUE AGRADAR por Ricardo Gondim


Sinto melancolia ao lembrar o dia em que João correu ao meu lado. Ele tinha 25 anos de idade e era magro; por isso, não precisava esforçar-se para manter meu ritmo. Com fôlego sobrando, de repente, João começou a me contar que se sentia deprimido. Perguntei-lhe se identificava alguma causa para sua tristeza. “Medo de fracassar”, retrucou, entre um passo e outro.

Pelo restante do percurso procurei mostrar-lhe que podia descansar, pois Deus nos ama sem cobrar desempenhos e, mesmo nunca alcançando êxito, continuamos queridos por ele; falei-lhe que Deus, ao contrário das pessoas, não desiste dos malsucedidos. Porém, duas semanas depois, chorei: João se suicidara.

João tinha medo do futuro e, por mais que tenha se esforçado, não conseguiu reverter seu desespero. Sua morte me desmoronou. Eu aprendera a amá-lo. Meus conselhos e orações, aliados ao cuidado de outros cristãos, não o ajudaram. Nada, absolutamente nada, reverteu seu desânimo, e ele se puniu com o mais desastroso ato — castigando a todos nós.

Angústia e depressão fazem parte da nossa existência. Vários personagens da história secular e bíblica tentaram fugir para dentro de cavernas escuras em momentos semelhantes; abatidos, nem sequer imaginavam encontrar forças que lhes devolvessem esperança. Essa apatia não lhes tirava apenas o sono; acordados, tinham de conviver com um pessimismo infinitamente triste. Pensamentos mórbidos não são incomuns, porém, não precisam terminar de forma tão horrível.

No trágico suicídio do João, aprendi que as pessoas não têm, necessariamente, medo de morrer, elas se apavoram por não saberem viver. A inevitabilidade da morte não as assusta, elas só querem evitar uma vida sem valia, que vem da noção de que existimos, mas desapareceremos sem importância.

O escritor Milan Kundera afirmou: “Todo mundo tem dificuldade de aceitar o fato de que desaparecerá, desconhecido e despercebido, num universo indiferente”. Isso explica por que algumas pessoas se esforçam tanto para realizar algo extraordinário — até cometer um crime. Todo mundo quer ser valorizado em vida e lembrado depois de morto.

Meses depois, contaram-me que João passara a infância angustiado com o desejo de agradar seu pai, mas intuindo que nunca conseguiria. Na adolescência, jogava futebol com os olhos fitos na arquibancada, esperando ganhar um sorriso de aprovação, que não vinha. João formou-se em engenharia, mas, envergonhado, não celebrou: não alcançara nota máxima em todas as matérias. Assim, ao projetar sua vida futura, se deprimia antecipando possíveis fracassos.

Preocupa-me que o mundo religioso ocidental enfatize tanto as exigências rigorosas de um Deus difícil de ser agradado. A maioria dos evangélicos brasileiros jamais concordaria com isto que Gilberto Gil canta: “Se eu quiser falar com Deus/ Tenho que aceitar a dor/ Tenho que comer o pão/ Que o diabo amassou/ Tenho que virar um cão/ Tenho que lamber o chão”. Contudo, o comportamento da maioria confirma o conteúdo da música. A espiritualidade que se difunde e prevalece atualmente oprime as pessoas com fardos pesados. Multiplicam-se pelo Brasil igrejas que não deixam as pessoas esquecerem suas dívidas perante um Deus implacável na defesa de sua lei.

Nessa religião, ninguém descansa já que se culpam as inadequações humanas pelos revezes da vida, e todo contratempo acontece como resultado de pecados ou de eventuais brechas por onde o diabo entra. Multidões lotam essas igrejas, ávidas por saberem como agradar um Deus manhoso. Desse modo, cultuam sem jamais esperarem afetos ou compaixão da parte dele. Tudo se resume em como conseguir afastar o mal e “alcançar bênçãos”. Se alguém almejar “conquistar” o amor divino, precisará fazer sacrifício, passar por ritos punitivos e, lógico, dar ofertas.

As pessoas não precisam desse tipo de religião, o fardo de viver já lhes pesa. Elas carecem de uma mensagem diferente: Deus não desiste de amar, mesmo quando seus filhos não merecem. Seu amor é leal. Nada diminuirá seu compromisso de oferecer seu melhor para que seus filhos cresçam.

Na parábola do pródigo, o Pai disse ao filho mais velho: “Tudo o que tenho é seu”. Essa frase precisa ressoar na mente de todos os cristãos, pois ela contém a promessa bíblica de que somos co-herdeiros com Cristo. Deus não estima as pessoas por sua capacidade de cumprir mandamentos ou alcançar níveis excelentes de santidade, ele ama gratuitamente.

Chorei com a morte do João, mas solidifiquei minha percepção da graça. O bem que Deus despeja sobre seus filhos não vem atrelado a desempenho e ele não abandona os malogrados.

Ninguém precisa ter medo de fracassar, porque ninguém precisa fazer jus ao amor de Deus. Ponto final. Assim, qualquer um pode se sentir convidado para o banquete divino e colocar-se rumo ao fantástico projeto de ser lapidado à imagem de Jesus Cristo.

Soli Deo Gloria.

Retirado do site: www.utlimato.com.br

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