quinta-feira, 19 de março de 2009

E a leitura do Antigo Testamento? parte 2


"Eis aí vêm dias... em que firmarei Nova Aliança...: Na mente (não mais em tábuas), lhes imprimirei as minhas leis, também no coração lhas inscreverei; eu serei o seu Deus, eles serão o meu povo (...) Pois perdoarei as suas iniqüidades e dos seus pecados jamais me lembrarei."
Grito do Profeta Jeremias – 31. 31-34

Após tais exercícios devocionais sob o Novo Testamento, muitos me endereçam questões de perplexidade e confusão relacionadas aos conteúdos do Velho Testamento.

Mas estou certo de que esse conflito nem Paulo e nem o escritor de Hebreus tinham, por exemplo. Digo isto porque Paulo recorre ao Antigo Testamento, aos salmos, e aos profetas, a fim de mostrar que aquela "Fase Humana" havia ficado sepultada em Jesus; e que, conforme as mesmas Escrituras, em Cristo começaria uma nova consciência, não como mandamentos de exterioridades, mas como percepção fundada no amor, na justiça e na verdade — tudo isto inscrito e gravado no coração.

Paulo também diz que a Lei foi dada, e com ela as causalidades e seus efeitos, a fim de que se avultasse (exagerasse) a consciência do pecado em nós. O próprio Paulo revelou que a Lei era parte da infância da consciência, como já nos referimos aqui, pois nos servia de guia, de servo que pega e leva para a escola — embora, agora, já andando no Caminho pela fé, ele diga que já não se precisa mais da Lei-Babá.

Além disso, toda a argumentação do apóstolo acerca da justificação pela fé conforme o dom da Graça se fundamentava nas declarações dos salmos e dos profetas; bem como, além do que estava declarado abertamente nos Textos, Paulo interpretava também o que estava apenas implícito na leitura — e ele faz isso lendo a Escritura a partir de Jesus, e não Jesus a partir da Escritura.

Isto porque Paulo lia o Velho Testamento a partir da consciência adquirida em Jesus. Ou seja: Jesus era a "Chave Hermenêutica" de Paulo, e partir dessa Chave, Paulo interpreta Abraão, Sara e Hagar, Ismael e Isaque, Esaú e Jacó e outros — sempre com o propósito de mostrar como Jesus era o cumprimento de todas as coisas.

E foi também a partir da mesma "Chave Hermenêutica" que o escritor de Hebreus interpretou os cerimoniais e os ritos descritos nos Livros da Lei, discernindo seus símbolos, utensílios e arquiteturas.

A carta aos Hebreus chega ao ponto de dizer que Jesus era maior do que Moisés, e maior do que tudo no Velho Testamento; chamando o que era pertinente à Velha Aliança de coisa obsoleta e sem utilidade, "antiquada, envelhecida e prestes a desaparecer". Hoje, ele diria que a Velha Aliança era chamada "velha", dado seu prazo de validade vencido.

Assim, o que se tem no Velho Testamento, na Antiga Aliança é o seguinte:

1. A justificação pela fé, mediante a qual todos foram justificados, de Adão a João Batista. Hebreus 11 declara isto. E isso embora as pessoas vivessem sob "o regime da lei", conforme Paulo. A justificação, entretanto, segundo Hebreus e Paulo (em todas as suas cartas), sempre aconteceu pela fé, e nunca pela Lei. Esta é, afinal, a tese de Paulo em Romanos e Gálatas; em especial.

2. A busca humana de se justificar pela Lei; pois, estava dito que aquele que desejasse se justificar pela Lei, esse teria que cumpri-la toda. E Jesus, dando continuidade aos profetas, deixou claro que tal obediência à Lei deveria ser por dentro e por fora. Mas é Davi quem diz: "Se observares iniqüidade, quem, Senhor, subsistirá?" Para então também declarar: "Bem-aventurado o homem a quem o Senhor não atribui iniqüidade".

3. A declaração, especialmente fundada no Livro de Jó, de que as calamidades da vida não são absolutas quanto a determinar o juízo de Deus sobre os homens. E Jó é a prova disso. Normalmente, todo homem acaba colhendo o que planta, mesmo que isto não chegue com cara de calamidade. Muitas vezes, somente a própria pessoa sente as conseqüências. Entretanto, conforme Jó e o Eclesiastes, as calamidades não nos vêm como aplicativo absoluto de uma Lei de Causa e Efeito; e, menos ainda, têm elas o poder de justiça; pois, muitas vezes, é o homem inocente de certos males aquele que recebe as suas conseqüências; e, outras vezes, aquele que faz algo que deveria trazer um efeito negativo equivalente ao mau-causa praticado, aparentemente, sai ileso. E o que ninguém sabe é o tamanho do desmonte na alma desse ser; pois, quando não vem como mal externo (calamidade), sempre vem como mal interno (medo, solidão, angústia, designificação existencial, amargura, sofreguidão do ódio, desespero da morte, etc.).

4. O que não há no Velho Testamento é justificação sem Sangue. Na Antiga Aliança, a própria Lei foi sancionada com derramamento de sangue; conforme o primeiro rito de "vestimenta espiritual" praticado "por Deus" no Gênesis, quando cobriu o homem e sua mulher com as peles de um animal morto para vesti-los.


Assim, meus irmãos, no Antigo Testamento, nós tanto temos a manifestação da devoção humana de forma primitiva; assim como temos a linha mestra de indicação do Caminho, e que é uma linha carregada de sangue de bodes e de touros; até que chegou o Cordeiro, que já havia sido imolado desde antes da fundação do mundo (portanto, infinitamente anterior à Lei); e, Nele, toda a Lei — tanto os mandamentos de conduta individual e social (10 mandamentos; por exemplo) como também as leis e ritos cerimoniais — foram cumpridos; e, com isto, tudo o mais se torna obsoleto, visto que o que agora prevalece explícita e encarnadamente é o Evangelho da Nova Aliança; e Nele, a obediência é conseqüência da fé que nasce do Amor que nos amou primeiro e que se entregou por nós.

Para os que ainda são da Lei, a emoção prevalente como "motor da obediência" é o medo. Já no Caminho do Evangelho nada tem sentido se não for o amor e a gratidão aquilo que movem o ser.

Por último, quero dizer que, na existência, existe causa e efeito em tudo (na justiça legal, nas leis naturais, nas leis econômicas, nas leis físicas, nas leis relacionais, nas leis conjugais, nas leis negociais, etc.) — menos no que tange à salvação em Cristo, conforme o Evangelho.

No Evangelho, a Lei fica para o Estado na regulamentação dos vínculos sociais (Romanos 13). Mas ela, a Lei, nada tem a ver com a justiça de Deus para salvação, que salva até o condenado pela lei como fez com o ladrão ao lado de Cristo.

Assim, no tempo Antigo, temos gente tentando viver pela Lei, com toda sinceridade; temos gente fazendo de conta que guardava a Lei, com toda falsidade; e temos gente que vivia sob a Lei por fé e esperança num Amor Maior – que os absolvesse dos rigores da própria Lei que os expôs como transgressores.

Quem se dedicar a leitura atenta dos evangelhos e das inúmeras afirmações de Paulo em suas cartas, mas em especial Romanos de 9 a 11, saberá que a finalidade da Lei é Cristo.

Continua

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