quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Jaqueline, em missão na África.


Olá meus queridos amigos e queridas amigas,
Primeiramente, peço desculpe por ficar tanto tempo sem mandar notícias...

Ontem, 25/10, completei 6 meses de missão em África, missão de uma vida nova, de posturas novas, de relacionamentos novos, de muito aprendizado e de muito trabalho, tudo isso misturado com muita saudade de nosso querido Brasil, de nosso querido povo brasileiro.

Tenho tantas coisas que gostaria de partilhar com vocês... muitas coisas mesmo... Ficaria o dia inteiro escrevendo... rs.

Em relação ao trabalho que venho desenvolvendo, anexo, está uma entrevista que saiu no jornal Conect da Fundação Romi, neste mês. Ajudará muito para que este não fique extenso e cansativo... rs.

O povo angolano é muito alegre e acolhedor, eles gostam muito dos brasileiros e perguntam muito sobre o nosso país. No mês passado, aconteceu algo engraçado... fui à noite, junto com 7 argentinos e só eu de brasileira, num “quiosque” fechado à beira mar em Luanda, onde tem mesas ao ar livre e uma parte coberta com pista de dança... como íamos só comer doce, ficamos na parte aberta... Nisso o garçom angolano começou a conversar conosco... perguntou de qual país somos, qdo os argentinos terminaram de falar... eu respondi que eu sou do Brasil, ele respondeu bem sério: - nota-se pela beleza... os brasileiros tem uma beleza inexplicável... Confesso que fiquei envergonhada porque os argentinos começaram a brincar comigo... E não foi a primeira vez que me falam isso, já ouvi até de mulheres, não estou me referindo a minha beleza...rs. Em relação ao corpo, achamos que as mulheres como os homens angolanos tem uma estrutura corporal muito bonita e definida, sem contar do gingado para dança que eles possuem... uma leveza para dançar inexplicável e ‘incopiável’...rs, já tentei, mas não acerto dançar kuduro e nem Domilindro, a única que saberia dançar a Tarraxinha, mas não danço nem morta... rs. Qdo vi pela primeira vez fiquei surpresa e de boca aberta... dança-se em dupla, bem juntinho, mas bem juntinho mesmo, devagar e de modo sensual, bem sensual mesmo, especialmente aos olhos do brasileiro que nunca viu, só está acostumado com funk individual... rs. Eles gostam muito de música, em destaque a nossa. Ontem veio um grupo de jovens usar o nosso Jango (onde fazemos nossas festas), trouxeram caixas de som e ficaram boa parte do tempo ouvindo Zezé de Camargo e Luciano, logo quando cheguei, um outro grupo só ouviu música brasileira, em especial fank, confesso que me senti no Brasil... fank, TV globo e cana-de-açúcar ao lado de casa... rs

A pobreza do povo é inexplicável, bem como a quantidade de crianças pelas ruas e nas aldeias...

Trânsito é muito ruim, principalmente da capital, Luanda, é terrível... perde-se muito tempo. Moro na província (estado) próximo da capital, chamada Bengo, nunca gastamos menos de 2h30 para chegar, sendo que sem trânsito gastaríamos no máximo 1h30, mas para isso temos que sair bem cedo, antes das 6h30. Quando cheguei em Angola, do momento que entrei no carro até chegar em kala-kala, gastamos 4h30. Sem falar dos motoristas imprudentes que ultrapassam pela direita e dos muitos caminhões que encontramos, Angola está em fase de construção, muitas obras, estradas sendo reformadas ou sendo construídas. Outra coisa que acho importante relatar é que já estou acostumada a viajar... já teve semana que fui a semana inteira à Luanda e voltei no mesmo dia à Kala-Kala.

Ah, outra coisa, praia, pelo menos duas vezes ao mês vamos a praia para passar um dia inteiro, nunca ficamos para dormir, uma vez vamos com os meninos que se comportaram bem no mês anterior e outra vez vamos para descansar, freqüentamos as praias desertas, porque são mais limpas... Só uma vez fui a praia de Luanda, onde encontramos muitos brancos e as coisas para comprar são muito caras... A minha última ida a praia foi dia 15, na qual eu fui dirigindo um carro e Lucas o outro, saímos às 8h de casa e chegamos por volta das 10h, fomos a praia mais próxima, levamos 13 meninos conosco, sempre o regresso é às 17h e chegamos por volta das 19h.

Conheço 5 províncias (estado): Luanda, Bengo, Kwanza Sul - cidade de Calulo, Kwanza Norte - cidade de Dondo e Benguela (lugar mais distante que já fui, quase 8h de viagem de carro, iremos passar o Ano Novo).

As paisagens da natureza são belíssima, cada região com seu encantamento e sua particularidade. O pôr-do-sol totalmente diferente de nosso Brasil, é maravilhoso, laranjado, me encanta toda vez que Deus me dá a oportunidade de contemplá-lo, e a Lua, fantástica, em especial quando ela está cheia, também tem uma cor diferente, um brilho incomparável... amo ficar olhando e pensar nas coisas de minha vida... No Brasil já fazia isso, aqui muito mais... As árvores nativas são totalmente diferentes, chamadas de himbondeiros, chega atingir 20 metros de perímetro, seu fruto chama Mukua, aqui eles comem e fazem gelado (sorvete), não agrada meu paladar porque é bem azedo e amargo... nossos meninos adoram.
Tive a oportunidade de fazer um safári em agosto, parque da Kissama, cada paisagem belíssima, porém não vimos o tão desejado elefante... apenas veados, guinus e macacos.

Minha maior dificuldade com o povo angolano está na paciência que tenho que ter com eles, principalmente com os funcionários de kala-kala, são 30 distribuídos nos setores: pedagógico, profissionalizante, agricultura, limpeza, segurança, cozinha, lavanderia, motorista e saúde. Seu modo de trabalho e de pensar é diferente do nosso, não é algo somente percebido por mim, bem como, percebido pelos outros expatriados que temos aqui em Kala-Kala e que me relaciono.

Os professores não sabem trabalhar de modo interdisciplinar e os alunos não gostam de fazer trabalhos em grupos ou dinâmicas em sala de aula. Dou aula para os alunos internos de Educação Moral e Cívica, uma vez na semana, duas aulas seguidas, todas as vezes que apliquei dinâmicas ou trabalhos em grupos não obtive êxito, mesmo explicando até “cansar” como é que tem que ser feito... É um grande desafio que agarrei e vou continuar persistindo até conseguir êxito. Semana passada tivemos a primeira olimpíada de Kala-Kala, tanto com os alunos internos como com os externos, mas diferentes horários, dois professores ficaram responsáveis por uma equipa, e todos os dias falávamos que o educador deve organizar sua equipe, porém não deve torcer por ela, e mesmo assim os professores defendiam suas equipes como se fosse um jogador. Confesso que foi uma semana de muito estresse, principalmente quando eu estava sendo responsável por uma modalidade, uma professora disse na frente de todos os alunos que os alunos não queriam que eu fosse a juíza do jogo de queimada porque eu roubei para a outra equipa, eu disse a ela que se a equipe dela não jogasse automaticamente a outra equipe seria vencedora e não importava porque eu continuaria a ser a juíza, ela virou para os alunos e pediu para não se preocuparem que ela estaria ali e não me deixaria roubar... Em nenhuma modalidade eu fui injusta, a bola batia no braço e os alunos diziam que foi na mão... O pior que não foi só ela que agiu assim em outras modalidades... um menino foi sincero e disse que foi queimado a professora dizia que ele não havia sido... Eu quase morri de nervo... rs. Acontecia coisas obvias e como só ficavam olhando para sua equipe, não observava o acerto dos outros... mas a ética está também, em fase de construção aqui assim como no país. Não era só comigo que faziam isso, faziam com Lucas também, diretor de Kala-kala.

Nós expatriados chegamos a conclusão que o trabalho é de formiguinha e exige muita paciência para não brigarmos impondo a nossa cultura e nosso jeito de trabalhar, temos sim que ensinar a serem justos e éticos, mas de modo diferente, que só Deus para me dar paciência e sabedoria... (quem me conhece sabe muito bem o que estou falando, rs). Essas são experiências vivenciadas no setor em que faço parte, setor pedagógico, mas temos inúmeras na cozinha, agricultura e etc... Não quero generalizar, temos profissionais ótimos, mas que de vez em quando acabam tbm escorregando, assim como eu e os próprios expatriados, faz parte do ser humano... Mas aqui é diferente, por isso cheguei a conclusão e encontro a resposta do para que estou aqui...

A questão da saúde é muito precária, falta muito para chegar como é a do nosso país. Rezamos muito a Deus para que não fiquemos doentes aqui. Em Luanda tem dois hospitais que consideramos bons e dizem que são de confiança, mas é bom ficarmos em alerta e observar muito. Qualquer enfermeiro aqui é considerado médico e se passa por médico, mas sem maldade alguma, ao contrário dos muitos estrangeiros que atuam na saúde.

Desde quando cheguei a cada 40 dias faço exame de sangue para verificar se tenho paludismo (malária), graças a Deus sempre dá negativo, nós de kala-kala vamos sempre a um posto de saúde pequeno mantido por uma ordem religiosa em parceria com o ministério da saúde angolano, lá tem uma irmã brasileira do sul, na qual é enfermeira e com grande conhecimento das doenças angolanas, é um lugar que depositamos mais confiança. Eu e Marcela somos as únicas que desde quando chegamos não pegamos paludismo. Lucas, está aqui 1 ano e 3 meses, já pegou 4 vezes. Carola, 8 meses, já pegou uma vez. Canário, 5 meses está se recuperando do seu 1º paludismo neste ano. Marcela e ele vieram da Argentina tomando remédio anti-paludico, mas não adiantou. De todos os missionários salesianos que conhecemos eu sou a única “resistente” ao mosquito, Marcela já morou dois anos antes de vir para o terceiro ano e havia pego... Chego a concluir que os mosquitos não gostam de mim... rs, que continuem a não gostar... Não se assustem, temos a malária (paludismo) no Brasil tbm, na Amazônia. Os sintomas são parecidos com o da dengue, e ataca o fígado.

Outra questão delicada é da higiene, em nossa cidade não há nenhum lugar de confiança que possa comer algo tranquilamente, assim como em quase toda Angola... São raros os restaurantes como em nosso país, em Luanda encontramos alguns. Único lugar que podemos comer “tranquilo” é no shopping, geralmente são empresas estrangeiras e em restaurantes na orla da praia em Luanda, mas nunca sabemos como é nos “bastidores”, é melhor nem olharmos e nem pensarmos... 90% dos freqüentadores do único shopping de Angola são brancos. Com a água, temos que ter uma atenção especial, eu não tomo água sem ser mineral comprada. A questão do saneamento básico é quase inexistente. Já estou acostumada em ver homens e mulheres urinando na estrada. As mulheres usam panos para se cobrir... Eu ainda não fiz isso... rs. Ou melhor, ainda não precisei... rs Mas se eu necessitar terá que ser num lugar super discreto... rs

A diversidade de povos em Angola é enorme, além de brasileiros e portugueses, já conheci muitos povos falando seu idioma misturado com português... Em Angola encontramos muitas outras nacionalidades: italianos, uruguaios, espanhóis, cubanos, franceses, argentinos, indianos, mulçumanos, eslováquios, israelenses, mexicanos, e principalmente, chineses.

Aqui em Angola, Deus me dá muitos presentes e surpresas inesquecíveis, mas tem três que jamais vou esquecer: 1º trabalhar de Assistente Social na Educação. 2º Passar uma semana com a estrela e defensora do Serviço Social, Dr Carmelita Yazbek, em especial trazê-la para conhecer onde estou, passar um dia com essa mulher fantástica foi de grande lição e aprendizado pessoal para mim. E, por último a realização de um sonho meu quando era criança: assistir um show da rainha dos baixinhos, Xuxa, e de perto... rs. Dia 10 deste mês aconteceu o Dia da Amizade Angola/Brasil com apresentação do Luciano Huck.

Bom, estou escrevendo muito, acho melhor parar por aqui para não cansar ainda mais vocês, como disse tenho muitas coisas para contar, tanto boas como ruins, as coisas ruins tbm fazem parte da vida, esteja eu em Angola, em nosso país, na Europa e etc. Tudo e todos tem suas coisas boas como suas coisas ruins.

Dúvida, comentário, por favor me escrevam que terei o prazer em responder.

Quis escrever um pouco da realidade de África, em especial de Angola, país que me redescubro a cada dia. Apesar das dificuldades encontradas, gosto muito de estar aqui, e sou feliz por ter feito está escolha que já faz parte de minha história de vida e fará parte da história de alguns angolanos.

Se eu fosse embora hoje iria com a certeza que realizei meu sonho e cumpri meu objetivo, fazer a diferença, sem dúvida na vida de um menino eu fiz diferença, e jamais vou esquecer, por mais que ele não se dê conta ou se esqueça de mim, e só eu sei como meu coração se sente, e das muitas preocupações para conseguir todas as documentações, desde certidão de nascimento, bilhete de identidade e passaporte para ele ir à Itália junto com mais 10 meninos de Luanda e três meninos de Kala-Kala, representando Angola no Inter de Milão, e meninos de mais de 20 países. Só eu sei como foi difícil ouvir a pessoa responsável falar que havia desistido de levá-lo porque a empresa que ficou responsável por todas as documentações não havia feito nada, e quem passou o caso para a empresa foi a direção de Kala-Kala, isso foi logo quando cheguei, e eu estava com a responsabilidade de falar que ele não ia mais...

Meu coração não queria dizer e sim lutar para conseguir, no fundo eu sabia que a pessoa estava certa pela experiência que havíamos passado na emissão da cédula de nascimento, bilhete de identidade e passaporte dos três meninos... tudo aqui é muito demorado e enrolado... E, todos os documentos necessários teriam que ficar prontos em menos de um mês. Quando pedi esse voto de confiança, a pessoa disse que seguraria a passagem até o limite, mas se eu conseguisse seria um milagre... Como eu acredito em milagre, entrei na luta contra o tempo com plano A e plano B, sempre, e com a graças de Deus, ficaram prontos dentro do prazo... Porém, não ouvi nenhuma palavra de agradecimento das pessoas envolvidas... faz parte, estou aqui para servir e não ser servida...

Jamais esperei uma palavra de agradecimento do menino, pois não entende muito... Só eu e Deus sabemos a as lágrimas de emoção que derramei quando conseguimos tudo, quando ele saiu de casa, quando eu lia as notícias da Itália, quando ele foi eleito como melhor animador, quando abri os e-mails com reportagem com ele... e principalmente quando eu soube da notícia que ele tem que voltar para a Itália porque tem um problema no coração muito grave e terá que passar por uma cirurgia, caso contrário ele pode vir à óbito a qualquer momento. Não só um milagre nessa vida e sim, dois... Obrigada, meu Deus!

Quando estou cansada e desanimada, penso no motivo em que vim... e logo, a força e coragem volta para lutar por novos desafios e surpresas que surgirão.

Concluo, os quase 30 anos de guerra ainda mancham esse povo tão sofrido, que precisa aprender inúmeras coisas para desenvolver-se muito mais.

Obrigada pelas orações e energias positivas que me enviam!

Daqui, no máximo, 6 meses estarei desfrutando das maravilhas de nosso país... Especialmente das coxinhas de batata com frango... sinto vontade... rs.

Beijos com carinho e saudades!!!!

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