segunda-feira, 26 de abril de 2010

Universo de meu espírito por Lou Mello


Ontem recebi a propaganda do próximo encontro de pastores da Sepal, a realizar-se no inicio do mês maio, ela me levou à página dedicada ao evento no site da organização. Cliquei na aba palestrantes e pude observar todos os caras oferecidos aos consumidores. Eles estão propagados com uma foto e um breve currículo ao lado. Com exceção do preletor principal, todos ostentam formação pós graduada e vários possuem diploma de doutorado. Não há nesses currículos, em nenhum deles, qualquer alusão ou informação sobre o compromisso deles diante de Deus, nem mesmo em relação ao livro sagrado dos cristãos, vulgarmente conhecido como A Bíblia. Particularmente, suspeito que esse compromisso esteja embutido no bojo mais amplo do negócio.

Tenho me debatido com essas questões nos últimos anos. Confesso haver duvidas crescentes em meu intimo. Dentre elas, uma das maiores e que ainda me esmaga diariamente, no presente, diz respeito à vida cristã autentica e a vida cotidiana nesse mundo pós moderno. Há bons anos, não sei o que é trabalhar regularmente com salário fixo e carteira assinada. Tão pouco exerci, durante esse tempo, ministério específico ou regular. Nos dois caminhos, tenho vivido de experiências esporádicas e não tenho a menor idéia sobre qual deles deveria seguir, caso me sentisse obrigado a escolher entre a cruz e a espada.

Não estou me referindo às obviedades da questão, tão pouco às minhas convicções racionais e conscientes. Adoraria ter vivido a minha vida, tranquilamente, como João Mediocre a teria vivido para poder ser enterrado, ou melhor, cremado como qualquer ilustre desconhecido, mas que tivesse cumprido minha carreira de professor de Educação Física, me aposentado e, ao partir, deixasse um legado simples, contendo casa própria, dois carros econômicos, um relógio Ômega legítimo made in Paraguai ou China, dezesseis livros contendo todo o conhecimento necessário a um profissional consciente em minha primeira área de formação profissional, muitas fotos tiradas com minha velha câmera Kônica, no velho e saudoso método de revelação em uma hora, e mais algumas bugigangas que certamente seriam jogadas no lixo ou doadas ao birot do Exército de Salvação lá na Av. Santa Catarina, assim que meu corpo esfriasse em forma de pó, nas dependências crematórias do cemitério da Quarta Parada. Garanto que assim, deixaria nesse mundo meia dúzia de pessoas prontas a lembrarem de mim como um bom homem.

Na outra via, se tivesse seguido a carreira segura de pastor batista, me formando na Faculdade Teológica em Perdizes, onde cheguei a somar boa parte dos créditos necessários, adicionando mestrado e doutorado na Metodista e, com sorte mais algum diploma made in USA; à frente de alguma Igreja menos importante, em um universo onde só contam duas ou três Igrejas, coincidentemente localizadas em bairros ricos da cidade, ou até fazendo parte das tais equipes pastorais de uma delas, onde a proposta é um colegiado, mas sempre funcionou o papado, mesmo que não seja politicamente correto admiti-lo. Certamente eu não teria chegado a papa, nesses casos, o que seria apropriado, pelo menos teria cumprido minha carreira segura, sem maiores sobressaltos ou responsabilidades e, além das garantias trabalhistas, plano de saúde médio porte, dois ou três ternos adquiridos na C&A, poderia ter formado uma biblioteca teológica rica nessas publicações traduzidas por nossas irmãs editoras alienígenas ou tupiniquins que dominam esse cenário. No final, seria velado pelos velhos da igreja em um dia de semana qualquer, antes de seguir para a cova da Igreja no aprazível cemitério do Morumbi. Nesse caso, o número de pessoas que diria algo positivo a meu respeito chegaria perto de uma dúzia de fies cheios de receio em perder a salvação por não louvar um pastor morto.

No entanto, não fiz nem uma coisa nem a outra e me encontro aqui, vivo, em meu quarto, no meio de uma terça feira qualquer, morto de medo em relação a tudo que ainda poderá me atingir e sem a menor idéia a respeito do que fazer ou para onde seguir. Pior é o risco de chegar alguém por aqui ou outra via qualquer com sugestões dignas de um Jonathan qualquer. Se continuar assim, provavelmente, não passarei nem perto da Quarta Parada ou do Morumbi, quando virar um corpo sem alma, esse bem por quem as forças celestes e infernais se digladiam.

Mas as palavras de Jesus de Nazaré continuam ecoando em minha mente, as mesmas que me mantiveram nessa dúvida durante todos esses anos em que pairaram as incertezas mortificadoras, que tanta tristeza tem causado aos meus entes mais queridos. São elas: ” Portanto não se preocupem dizendo: Que vamos comer? ou Que vamos beber? ou Que vamos vestir? Pois os pagãos é que correm atrás dessas coisas, mas o Pai Celestial sabe que vocês precisam delas. Busquem , pois, em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas lhes serão acrescentadas. Portanto, não se preocupem com o amanhã, pois o amanhã trará as suas próprias preocupações. Basta a cada dia o seu próprio mal.” Mt. 6: 31 a 33

Segundo os currículos acima citados, nenhum daqueles senhores e uma única senhora, se não me engano, vive sob a influência dessas frases alucinadas do Galileu, como é o meu caso. Muito mais inteligentes do que esse escritorzinho de blog de segunda, trataram de se aparelhar segundo o homem citado pelo Mestre em Lucas 16. Nesse mundo, vivemos com pessoas que sabem viver segundo seu curso, ou deveria dizer, sua globalizante era. Se tivesse seguido qualquer um dos dois caminhos a mim propostos, talvez estivesse relacionado entre eles para esse encontro, ao menos como um dos ouvintes, bom, pelo menos por uma das vias poderia ter gerado essa possibilidade.

O que me afligiu e continua me afligindo nessas palavras bíblicas desesperadoras é o significado ou o rito de passagem nelas incluso. Certo escritor disse certa vez, pensando a respeito: “Quando o homem ultrapassa a zona da sua inteligência egoísta e interesseira e entra no universo do seu espírito cósmico e desinteressado, então realiza, conscientemente, o que a natureza fez inconscientemente”. * Ele incluia em seu raciocinio a frase anterior sobre os lírios do campo e as aves que não fazem nada convencional, nem trabalho, nem diplomas, e o Senhor as alimenta. Pois busco, tanto quanto esse herege, galgar esse patamar. Acredito com todas as minhas forças que trata-se de um ato treslocado em direção a um outro nível espiritual, lugar onde reside um Reino capitaneado por Deus e impera a sua justiça. Nesse nível, certamente, ninguém deve ser convocado para encontros pastorais, segundo suas realizações de quaisquer naturezas mesmo porque nossos curriculos não o permitiriam. Aí, as exigências deverão ser de outras matizes, imagino.

Tentei de tudo, oração, jejum, meditação e contribuição, separados ou todos juntos, pastoreei congregações, arrisquei minha vida em missões perigosas, trabalhei com dependentes químicos, crianças em situação de risco, campanhas evangelísticas e sei lá o que ou quanto mais, só sei que não foi pouco. Fiz grandes doações, pelo menos em relação ao tamanho do meu caminhaozinho, sacrificios físicos e espirutuais, especialmente a arte de engulir sapos e pagar micos graças a irmãos menos liberais, fora o prejuízo aos inocentes domésticos e nada disso me levou a passar pela tal porta estreita, indicada pelo dono do tesouro. Segundo o escritor da frase acima, o caminho incluiria sofrimento e muito trabalho, nesse caso, dependendo das quantidades e durações, talvez eu já devesse estar qualificado também. Se a exigência é maior ainda, temo nunca chegar a receber o carimbo apto para entrar pela tal porta adentro, pois não sei se aguentaria mais, creio que não.

* Citações:

Humberto Hohden
Retirado do blog A Gruta: http://www.lhmbrasil.com.br/blog/

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