domingo, 18 de julho de 2010

Blindado por Deus por Bruno Torturra Nogueira e Caio Ferretti

No fogo cruzado entre polícia e tráfico de drogas, o pastor Rogério Menezes circula imune

No fogo cruzado da guerra travada entre polícia e tráfico de drogas, um homem circula imune. Respeitado por bandidos e políticos, por comunidades carentes e pelo Bope, o pastor Rogério Menezes conquistou esse privilégio graças à sua neutralidade e sua sincera missão: salvar vidas e resgatar almas. Conheça o homem que, há 17 anos, pacifica o Rio de Janeiro usando o verbo como arma.

Rogério em uma das várias pinturas religiosas nas favelas da zona 
norte
Foi uma revelação. Não uma espiritual, ao contrário. Uma experiência de um extremo realismo, mas, qual uma epifania, capaz de transformar qualquer um que a viva. De mãos dadas, formamos uma roda de 13 homens. Uma mão ligada a um rapaz de 20 anos, líder do tráfico de oito favelas cariocas. Outra ligada ao pastor Rogério, que conduz a oração. “Ó, Pai celestial, abençoa esses homens, Pai! Protege esses homens, Pai.” Estamos na calçada em frente a um terreno baldio, dentro de uma favela na zona norte carioca. É começo de madrugada. Três homens estão de escolta, seguram fuzis AR-15, um deles uma metralhadora. E todos vestem cintos que sustentam pistolas e granadas. “Pai, afaste o mal daqui, tira todo pensamento maligno. Proteja a vida deles, ó, Pai!” Temos os olhos fechados e oramos com a cabeça baixa. Os traficantes rezam com granadas ainda na cintura, mas seus fuzis e escopetas estão escorados no muro atrás de nós. Seus walkie-talkies seguem nervosos em chiados: “O blindado tá na ponte, câmbio”.

O aviso era claro. O caveirão do Bope estava pronto para invadir a favela. E quando chega o caveirão, irmão, não tem conversa. É bala. “Ó, Pai celestial”, segue o pastor Rogério, “desvie as balas que vierem na direção desses homens. Permita que eles vivam mais e que deixem esse caminho e encontrem a salvação em Teu filho amado Jesus!” A voz do pastor precisava soar bem alto para ser escutada enquanto carros passavam em alta velocidade e rapazes com meio corpo para fora da janela gritavam a letra do funk pancadão que estourava no toca-fita. Era sábado, dia de baile. Dia em que tráfico, polícia e população da favela estão em alerta e excitação máximas.
“Palmas pra Jesus”, Rogério encerra a oração. Todos aplaudem, os homens do tráfico penduram em si o arsenal e saem em dois automóveis para esperar o Bope em melhor posição. Apenas um fica, dizendo: “Tranquilo... o caveirão ainda tá longe”. E pede uma bênção exclusiva ao pastor. Enquanto o rapaz gaba-se de ser piedoso, apesar de vez ou outra picotar inimigos com uma espada, explica por que está sem medo de morrer. “Se eu for passado tá tranquilo. Vou com Jesus amarradão”, resume ao pastor que,
compassivo, escuta a tudo com olhar neutro. “Você ainda vai sair daqui comigo para a igreja. Vai ser pastor”, profetiza um dos maiores, e invisíveis, pacificadores da guerra travada no Rio de Janeiro.

Há 17 anos Rogério Menezes trabalha assim, entrincheirado nos piores núcleos da violência e do crime organizado, tentando pacificar e evangelizar criminosos na ativa ou em presídios. E, como a reportagem pôde testemunhar, criou uma reputação e um respeito tão grandes dentro das comunidades e facções que ele consegue entrar em qualquer favela, conversar com qualquer bandido, qualquer chefe de morro. E pode, sem nenhum constrangimento, levar consigo dois repórteres a tiracolo. Em uma noite andamos na perua de um procuradíssimo assaltante que, ostentando ouro e histórias tenebrosas, atende ao pedido do pastor Rogério para nos falar sobre como funciona seu negócio. Demos plantão em frente a uma boca de fumo onde, com frequência, soldados do tráfico armados com calibrosas armas desciam das motos, despiam-se de armas e pediam cabisbaixos uma oração a Rogério. Cruzamos uma deserta fronteira entre duas facções rivais do tráfico e fomos recebidos com igual disposição.

Tamanha credibilidade de Rogério vem de duas fontes: sua neutralidade ao caminhar na inflamada ponte entre polícia, tráfico, milícias e facções; e seu passado. Ele também veio de uma vida criminal. E sabe, de experiência própria, quais são os demônios no coração de um homem à margem da lei e da sociedade. Ele é fruto e catalisador de uma conhecida realidade, mas pouco testemunhada pela mídia: o avanço das religiões evangélicas dentro das comunidades carentes. E, especialmente, dentro do tráfico de drogas. “Todo traficante acredita muito em Jesus”, é o que escutamos da boca de Rogério e de diferentes traficantes.
Bruno Torturra Nogueira

Rogério em uma das várias pinturas religiosas nas favelas da zona norte
Por conta de seu acesso, seu carisma e seus promissores resultados, o AfroReggae (influente ONG carioca que cria pontes entre as comunidades carentes, Estado e empresas como forma de desenvolvimento social) contratou o pastor Rogério para suas fileiras. “Ele se arrisca de uma maneira muito intensa, faz algo que nunca vi”, resume José Júnior, criador da ONG. “Como mediador e salvador de vidas ele é imbatível. Se mete em confusões que ninguém se meteria. E não julga quem está salvando, não importa
quem é... o negócio é salvar vidas. Por isso os bandidos o respeitam. Hoje ele mistura religiosidade a projetos sociais”, completa. Rogério coordena um programa em presídios para a reinclusão de ex-detentos no mercado de trabalho. E, claro, usa a evangelização como a principal ferramenta de transformação. De noite, no entanto, faz o trabalho “voluntário” de visitar as comunidades onde é chamado para dar bênçãos e salvar vidas amarradas para morrer. É o caso de Emerson.

Há três anos, Rogério recebeu um telefonema avisando que um moleque estava para ser executado. Entrou em seu Uno e se apressou para chegar ao líder do morro. Emerson estava um trapo humano. A cabeça aberta por pancadas de cano. Tiros nas mãos. A cara enfiada em fezes de porco. O estômago cheio de gasolina que foi obrigado a beber. Em minutos seria queimado vivo. Clamando por piedade e citando a Bíblia, Rogério levou Emerson para um hospital – três dias em coma. E de lá para a igreja. Renascido em
Cristo e agora evangelizador, Emerson dá bênçãos junto com nosso pastor. E tornou-se amigo dos traficantes que o torturaram. Hoje ajuda a reduzir o número de execuções dentro do tráfico de drogas usando a Palavra como amaciante de corações implacáveis. É por essa estranha e bem-sucedida relação do crime organizado com o evangelho que começamos nossa entrevista.

Veja a entrevista completa em: http://revistatrip.uol.com.br/revista/190/paginas-negras/blindado-por-deus/page-1.html

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