quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Egito: A Cruz e o Alcorão por Hugo

Cristãos e muçulmanos de mãos dadas contra Mubarak. - Foto: guardian.co.uk

Quando Jack Dorsey e Mark Zuckerberg criaram o Twitter e o Facebook, respectivamente, talvez nunca imaginaram o impacto que estariam causando no mundo. As chamadas mídias sociais são os portais que nos levaram a um nível de informação sem precedentes na história da humanidade.

Com o advento da Internet nos anos 90 e das mídias sociais na década que se findou, a distância entre os povos encolheu. O mundo se tornou um palco muito semelhante ao da ficção de George Orwell – 1984 – em que as câmeras de um sistema de vigilância – o Big Brother (Irmão Maior) – monitoravam a vida do cidadão comum e projetavam a vida da sociedade nas telas. Talvez na década de 40, o conceito soava surreal. Nos dias de hoje, nem tanto.

Em nossos dias, qualquer pessoa que tenha uma conta no Twitter ou Facebook receberá uma notícia segundos após o seu acontecimento, no outro lado do mundo – seja uma bomba que explode na Rússia, um terremoto que aflige o Haiti, o governo da Tunísia que se dissolve ou as enchentes na Região Serrana. Em qualquer lugar onde haja um celular, haverá uma foto, um vídeo e uma notícia que serão transmitidos na velocidade da luz aos habitantes de todo o planeta. Ironicamente, pela rapidez de tráfego de informação que proporcionam, os repórteres amadores do Twitter e do Facebook são, muitas vezes, a primeira fonte de notícias dos veículos convencionais da grande mídia.

A mesma velocidade de transmissão também se aplica na propagação de conceitos, principalmente naqueles que desafiam o status quo. E a história da humanidade testifica que o livre fluxo de informação inevitavelmente leva à revolução. Graças às mídias sociais, em nossos dias a informação trafega a uma velocidade infinitamente maior do que a censura dos poderes instituídos, sejam estes seculares ou eclesiásticos.

Medo da luz

Há milhares de anos atrás, Platão já dizia que é possível entender crianças que têm medo do escuro, mas é uma tragédia quando os homens têm medo da luz. E é exatamente isso que começa a acontecer nos regimes mais fechados do mundo, onde o acesso à mídia social é visto com preocupação pelos governos.
A revolução do Twitter e do Facebook é comparável à invenção da imprensa que promoveu a Reforma Protestante, chacoalhou o Santo Império Romano há 500 anos atrás. Nos últimos anos, temos visto como as mídias sociais têm furado um bloqueio imposto em nações da África e Oriente Médio desde a Revolução Islâmica.

Em 2009, o mundo testemunhou uma multidão de iranianos irem às ruas protestar contra a duvidosa reeleição de Mahmoud Ahmadinejad. No Irã, um dos regimes mais fechados do mundo e onde a liberdade de imprensa não existe, o Twitter e o Facebook foram essenciais na transmissão de notícias, vídeos e fotografias feitas a partir dos celulares dos manifestantes.

Nas últimas três semanas, temos visto nações predominantemente muçulmanas serem sacudidas por manifestações populares. Primeiro na Tunísia, onde o presidente Ben Ali foi deposto depois de mais de três décadas de governo. Inspirados na Tunísia, uma multidão de egípcios saíram às ruas para exigir a renúncia do presidente Hosni Mubarak, que também governa o país há mais de três décadas.

No Egito, onde a liberdade de imprensa também não existe, o Facebook mais uma vez furou o bloqueio da censura. O que vemos nas ruas do Cairo, Alexandria e Suez começou com uma convocação no Facebook para que os descontentes com o regime saíssem às ruas para protestar. Em uma questão de horas, milhares de manifestantes aderiram ao movimento. Na tentativa de conter os protestos, o governo desconetou da tomada todos os servidores de internet do país por cinco dias. A tática não funcionou. O pavio já estava aceso.

E agora, como um efeito dominó, os povos de outras nações predominantemente muçulmanas, amordaçados por leis contra a liberdade de expressão, estão se inspirando para também demandar seus direitos. O tsunami que afligiu a Tunísia e está sacudindo o Egito encontra ressonância também na Argélia, Sudão, Síria, Iêmen e Jordânia.

Uma nova era no Oriente Médio

Diante do fenômeno, o Presidente da Síria, Bashar Assad, afirmou que os protestos na Tunísia, no Iêmen e no Egito são “os arautos de uma nova era no Oriente Médio” que necessariamente trará reformas no âmbito democrático. Tal pronunciamento se dá ao mesmo tempo em que milhares de grupos no Facebook convocam os cidadãos sírios para se organizarem para o “Dia da Ira”, em que irão às ruas demandar direitos civis, liberdade de expressão e melhor qualidade de vida.

Sem dúvida trata-se de uma nova era. Em meio ao caos nas ruas do Cairo, vi na CNN uma mulher egípcia condenar veemente os EUA por apoiarem o regime Mubarak. Em meio aos milhares de manifestantes, entre eles muitas mulheres, ela disse em excelente inglês: “Vocês americanos deveriam ter vergonha por apoiar este ditador. Vocês não têm idéia da pobreza em que vive nossa gente. Não tem idéia de como as mulheres são tratadas nesse país.”

Direito das mulheres? No Islam? Pode ser que sim. Algo deve de fato estar acontecendo no Egito.
No último Natal, o Egito estava na mídia pelo ataque aos cristãos da Igreja Copta em Naj Hammadi.3 Ironicamente, hoje a cruz e o corão se unem nas ruas contra a tirania de Mubarak.

Jamais me esquecerei das imagens de um governo covarde que jogou o exército para cima do povo que deveria servir e proteger, mas tampouco da imagem destas mulheres muçulmanas, cujos véus negros cobriam suas cabeças, mas não tapavam seus rostos e não silenciavam suas vozes.

Quando os EUA invadiram o Iraque em 2003, tendo como um de seus pretextos trazer liberdade e democracia à nação, chorei. Arrumei alguns adversários por aqui, porque além de não encontrar legitimidade para esta guerra, sempre entendi que a democracia e a liberdade não são implantadas em uma nação de cima para baixo. Um povo com mente de escravo, acostumado à mão de ferro de mulás (com ou sem uniforme militar), deve permanecer escravo. Mas quando a revolução começa de baixo para cima, a história é diferente. Um povo pode ser enganado, manipulado, oprimido e silenciado por um tempo. Mas quando se levanta, não pode ser contido. Nem mesmo as balas dos ditadores podem silenciar uma multidão que clama por liberdade.
Não sabemos quais serão os resultados imediatos desta revolução no Egito, uma vez que, realisticamente falando, o futuro político da nação em curto prazo ainda é uma incógnita. O Egito ainda é um país de muitos analfabetos que podem servir de massa de manobra para grupos de orientação islâmica radical ainda mais tiranos e radicais. Ruim com Mubarak, mas talvez pior com a oposição – a temida Irmandade Muçulmana. Apesar disso, um fenômeno já pode ser observado nas nações muçulmanas: o cansaço à subserviência absoluta aos regimes totalitários e, como afirmou o “profeta” Bashar Assad, uma nova era que marca o início de reformas que tragam mais liberdade de expressão e mais respeito aos direitos civis no Oriente Médio.

A Revolução e o Reino

O Reino de Deus e a pregação do Evangelho somente têm a lucrar com este processo. Como disse anteriormente, não sabemos quais serão os resultados imediatos destes protestos, mas uma vez que a Bíblia nos ensina a não desprezar os pequenos começos (Zac 4:10), gostaria que contemplássemos os acontecimentos dos últimos dias no mundo muçulmano com um olhar profético.

Cristãos e muçulmanos de mãos dadas contra Mubarak - Foto: guardian.co.uk

Em 2005 estive com um missionário britânico cujo ministério se enfoca na evangelização da janela 10 x 40 e cujo nome não divulgarei por razões de segurança. Em uma conversa informal, ele profetizou que assim como o cristianismo passou por uma reforma de práticas e conceitos, após a transição da Idade Média para a Idade Moderna, o islamismo também passará por mudanças que facilitarão o diálogo e a tolerância religiosa no mundo islâmico. As palavras deste missionário me fizeram refletir em duas coisas:

Primeiro, em nossa hipocrisia “cristã” quando apontamos o dedo aos “bárbaros muçulmanos e seus atos terroristas” sem antes pensarmos que nós, os cristãos, em um passado não muito distante, também matávamos em nome de Deus. É fácil nos desassociarmos de um passado que seja maior que nossa existência na terra, mas devemos assumir nossas origens. Como cristão de orientação protestante, gostaria muito de dizer que “tais atos de terrorismo” se limitaram ao papado, mas vergonhosamente admito que muito daqueles que temos hoje como referência teológica mataram “em nome de Jesus” e seriam considerados tiranos e assassinos nos dias de hoje – a começar por Martinho Lutero.

Segundo, ao observar os muçulmanos do Ocidente, particularmente aqui nos EUA e na Inglaterra, vejo um abismo enorme entre o islamismo ocidental e o oriental. Enquanto os de lá ainda vivem na Idade Média, muitos muçulmanos daqui já são infinitamente mais pacíficos e tolerantes à diversidade – notavelmente uma influência do Ocidente. Não posso falar a favor da totalidade da comunidade muçulmana no Ocidente, mas arriscaria-me em dizer que este processo de “ocidentalização” parece ser uma tendência, principalmente entre os mais jovens.

Conclusão

Que o Ocidente já tem penetrado a cortina de ferro do Islamismo por meio do Facebook, do Twitter e outras formas de mídia é mais do que óbvio. Mulheres muçulmanas com rostos descobertos, protestando nas ruas, clamando por direitos civis certamente não é algo que fazia parte da agenda da Revolução Islâmica em seus primórdios. No entanto, é algo que podemos já podemos testemunhar em nossa geração.

Mulher egípcia protestando contra o governo.

Direitos civis e liberdade de expressão foram os fatores que facilitaram a expansão da Igreja no Ocidente. Ao clamar por tais direitos, a sociedade muçulmana abre as portas ao pluralismo religioso, à proteção das minorias e consequentemente à pregação do Evangelho.

Não sou ingênuo e sei que o Islam está muito longe de ser reformado como um todo, principalmente em vilarejos como os da Turquia – remotos e isolados da sociedade do século XXI – onde cristãos ainda são mortos e anciãos ainda ordenam o apedrejamento de uma mulher porque ela foi estuprada (!!!). Mas, como já dito anteriormente, as distâncias entre os povos de nosso planeta são cada vez menores em um mundo globalizado. Entendo que, assim como o cristianismo saiu do medievalismo, muitos muçulmanos estão começando a passar por este processo, com a diferença de que este processo em um mundo globalizado pode se dar de forma infinitamente mais rápida.

Há 30 anos atrás, poucos se arriscariam a dizer que a cortina de ferro comunista cairia, que URSS ruiria e que a Igreja desfrutaria de maior liberdade na Rússia. Hoje, isso é uma realidade. Semelhantemente, o que vemos hoje no Oriente Médio pode ser somente uma pequena nuvem, do tamanho da mão de um homem. Mas certamente já é um começo.

Já aprendemos que as mídias sociais têm um papel fundamental na abertura de regimes totalitários. A geração do Twitter e do Facebook já está no Oriente Médio e, com isso, a influência ocidental com seus valores de democracia, respeito aos direitos humanos e proteção às minorias étnicas e religiosas. Se a cortina de ferro de pelo menos algumas nações no mundo islâmico se romperem, elas poderão servir de ponte para o alcance dos demais países nesta região.

Oremos pela Igreja perseguida nestas nações, para que o clamor dos povos muçul.manos resultem em reformas amplas que se estendam também aos nossos irmãos cristãos, para que desfrutem de tempos de paz e refrigério, e o Evangelho possa ser pregado com um pouco mais de liberdade no mundo islâmico (1 Tim 2:1-2).
Maranata.

© Pão e Vinho
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