sexta-feira, 11 de maio de 2012

Graça e meritocracia por Carlo Carrenho




Graça e meritocraciaSe Deus fosse um meritocrata, arderíamos todos no fogo do inferno.
Ouvi do subsecretário de Ações Estratégicas da Secretaria de Assuntos Estratégicos do Governo Federal, Ricardo Paes de Barros, a seguinte frase numa entrevista: “Esta nova classe média fala muito de meritocracia; eles esquecem que muito de seu sucesso se deve à solidariedade e começam a falar sobre mérito”. Espantei-me ao ver ali a palavra meritocracia, cujo significado, segundo o Aurélio, é “um sistema em que os mais dotados ou aptos são escolhidos e promovidos conforme seus progressos e consecuções”.  Eu não imaginava que a nova classe média brasileira, que tanto sofreu nos estratos mais baixos da pirâmide social, já fosse capaz de demonstrar ares meritocráticos tão rapidamente. E isso é extremamente preocupante.
Sou um grande crítico da meritocracia. Acredito que ela só poderia se aplicada em sua totalidade se houvesse a igualdade absoluta entre as pessoas. Ou seja, uma sociedade meritocrática só seria justa na medida em que todos os seus membros nascessem absolutamente iguais e tivessem chances equivalentes na vida. Como isso não acontece, a meritocracia plena é utópica, e aqueles que a defendem como justa vivem no mundo da fantasia. Se quiséssemos realmente aplicar a meritocracia, teríamos que acabar com o direito de herança. Afinal, que mérito existe em se herdar fortunas e propriedades dos pais?
Podemos ir ainda mais longe. Concursos públicos aprovam justamente aqueles mais aptos e melhor preparados. Mas é justo que aqueles que estudaram à noite, após horas no trabalho, sejam avaliados da mesma forma que candidatos de melhor poder aquisitivo, que se dedicaram de forma integral ao concurso? Não, não é justo. É claro que permitir que cada repartição contrate quem quiser daria margem ao nepotismo e a outras atitudes ainda mais desonestas. Beste sentido, o concurso público passa a ser melhor – ou menos pior – opção. Já o modelo de quotas para negros, tão discutido no Brasil, traz em seu âmago um antídoto à meritocracia. Afinal, trata-se de uma tentativa de compensar a falta de “mérito” dos negros, tão desfavorecidos ao longo da história brasileira. Por isso, o sistema de quotas têm sua validade, e qualquer tentativa de tornar a sociedade mais igualitária deve ser valorizada.
Mas o maior problema da meritocracia não está em dar poder, recursos e mais oportunidades aos mais aptos e com mais “mérito”. O problema está em justamente retirar poder, liberdade, oportunidades e direitos daqueles menos preparados. Ou seja, no seu limite, a meritocracia é um sistema onde os menos aptos são massacrados pelos mais capazes – um verdadeiro darwinismo social. No campo da fé, o catolicismo possui um lado bastante meritocrático, ao valorizar a salvação pelas obras e condicionar o céu e o inferno às atitudes do cristão ao longo da vida. Já o protestantismo passa, na teoria, bem longe da meritocracia, pois defende a salvação pela graça. E a graça é justamente o oposto da meritocracia, pois significa receber algo que não merecemos. Deus, em sua bondade e justiça, é absurdamente antimeritocrático. Paradoxalmente, no entanto, os Estados Unidos, maior país de tradição protestante, são tomados de uma meritocracia atroz, capaz de permitir que seus cidadãos menos favorecidos sofram até pela falta de atendimento médico.
O paradoxo é estranho e parece que a maioria dos americanos se lembram apenas dos galardões no céu, esquecendo-se da graça que Deus lhes concedeu. Como cristão, a meritocracia me parece absurdamente incompatível com a graça divina, a qual deveríamos incorporar em nossas vidas. OK, os meritocratas costumam dizer que muitos não querem trabalhar e não é justo que se beneficiem do trabalho comum da sociedade. Mas a maioria dos necessitados que vivem nas sociedades ditas meritocráticas não são carentes de vontade de trabalhar, mas sim, de oportunidade – e mesmo as que se recusam a trabalhar têm direito em minha opinião a um padrão mínimo de sobrevivência com dignidade. Quando João Batista disse “quem tiver duas túnicas, reparta com quem não tem; e quem tiver comida, faça o mesmo”, ele não mandou averiguar se a pessoa necessitada trabalhava ou não, nem qual o motivo pelo qual não tinha túnica ou comida. Ele disse apenas que deveríamos repartir o que temos.
Todo cristão deveria questionar o conceito de meritocracia e contrastá-lo com a graça de Deus, lembrando-se sempre de que, se o Senhor fosse um meritocrata, arderíamos todos no fogo do inferno.

Retirado do site: http://cristianismohoje.com.br/materia.php?k=849&__akacao=839398&__akcnt=8e4d36fa&__akvkey=ab92&utm_source=akna&utm_medium=email&utm_campaign=CH+12+Maio

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