sexta-feira, 28 de setembro de 2012

De matador a pastor, Cabo Bruno 'estava cansado de fugir'



REYNALDO TUROLLO JR.
DO ENVIADO ESPECIAL A PINDAMONHANGABA
EMILIO SANT'ANNA
DE SÃO PAULO

"Todo mundo morre", disse, sorrindo, Cabo Bruno --o matador mais famoso de São Paulo--, em 1985, ao ser recapturado no Pará. Questionado se tinha medo de ser morto, o homem que carregava mais de 50 assassinatos saiu-se com esta: "Pode acontecer, mas posso morrer de velhice".
Fazia então sete meses que Bruno havia fugido do Presídio Militar Romão Gomes, na zona norte de São Paulo. Era a primeira de suas três fugas da cadeia. Cada uma mais "espetacular" do que a outra.
À época, o ex-policial já havia se transformado num personagem muito maior e mais complexo do que o cidadão Florisvaldo de Oliveira, seu verdadeiro nome.
A fama de "matador da zona sul" ele construiu entre 1981 e 1983, anos em que liderou um grupo de extermínio. A simples menção do nome do ex-policial na região era motivo de apreensão. Comerciantes lhe pagavam em troca de proteção.
A cada morte, o reconhecimento crescia. Onde o Estado "não chegava", Cabo Bruno era justiceiro. Para o resto da cidade, assassino.
Encontrado pela jornalista Mônica Teixeira, em 1985, admitiu em entrevista à Abril Vídeo todas as mortes. "Eu nunca poupei ninguém e hoje mataria todos novamente", afirmou na ocasião.
Recapturado, recebeu a primeira condenação: 43 anos. Outras se seguiram, e a pena do ex-policial chegou a 117 anos de prisão.
Na cadeia, Cabo Bruno se tornou evangélico. Em pouco tempo, virou pastor. Na Penitenciária de Tremembé, ajudou a construir uma capela e se casou com uma voluntária na evangelização dos presos.



Cabo Bruno após ser beneficiado por lei que concede liberdade a condenados a mais de 20 anos que tenham bom comportamento
Bruno também passou a pintar telas e chegou a fazer exposições de suas obras.
Em 2009, a Justiça permitiu que ele cumprisse o restante da pena em regime semiaberto. No início de agosto, foi liberado para passar o Dia dos Pais com a família.
Finalmente, após cumprir 27 anos de prisão, Cabo Bruno ganhou a liberdade, no dia 23 de agosto deste ano. Um indulto pleno extinguiu os anos restantes de sua pena.
Deixou a Penitenciária de Tremembé para viver com a mulher em Pindamonhangaba (a 156 km de São Paulo)
Quando o ex-policial deixou a cadeia, há 35 dias, seu advogado, Fábio Tondati Ferreira Jorge, afirmou que Cabo Bruno havia morrido e o que restava era o cidadão Florisvaldo de Oliveira.

35 DIAS
Nos 35 dias que passou em liberdade, Cabo Bruno dedicou-se à mulher, a cantora gospel Dayse França, 45, e à igreja Refúgio em Cristo, em Taubaté (a 140 km de São Paulo), cidade vizinha a Pindamonhangaba.

Com o casal moravam uma filha e um filho de Dayse. Segundo parentes que não quiseram ter os nomes divulgados, os jovens consideravam Florisvaldo "um pai".

O primeiro mês em liberdade foi marcado por viagens para rever familiares em outras cidades. Natural de Catanduva (385 km de São Paulo), onde mora sua mãe, o ex-policial tinha irmãos, sobrinhos e uma filha --de um relacionamento anterior.
No primeiro dia fora da prisão, segundo uma amiga, a família foi "orar no monte" --retirou-se da cidade para um lugar reservado em agradecimento a Deus.

Todas as terças, quintas e domingos à noite, ele ia aos cultos --era pastor da igreja, que estava ajudando a estruturar. Estudou teologia, disse um pastor da Assembleia de Deus, quando estava na prisão. "Era muito inteligente."

Segundo familiares, o cidadão Florisvaldo, sem dívidas com a Justiça, passava praticamente todo o tempo com a família. "Ele ia ao mercado, ia à feira, queria ter um dia a dia normal", disse o genro.

"Era uma pessoa alegre, que queria o bem dos outros. Ele converteu muita gente, deixou muitas sementes", afirma a amiga evangélica Alaíde Guimarães, 51.

VELÓRIO

Ontem, em Pindamonhangaba cerca de 80 pessoas --a maioria familiares e membros da comunidade evangélica-- acompanharam ao velório do ex-PM. Não havia nenhum policial militar.
No velório, na Santa Casa da cidade, estavam a mulher, Dayse da Silva Oliveira, os três filhos dela, uma irmã do ex-policial militar e familiares vindos de São Paulo.
Dayse não quis dar entrevista. "Você foi o homem da minha vida", sussurrou ao lado do caixão, onde ficou a maior parte do tempo.
"Ele não recebia ameaças, telefonemas, nada. Morreu feliz com o que Deus tinha feito da 
vida dele", afirmou a cunhada do ex-policial militar, Jane Trindade.
"Creio que foi vingança. Não tinha outro motivo", disse Alaíde Guimarães, 51, membro da Assembleia de Deus e amiga da família.
Um membro de uma igreja que conheceu Cabo Bruno ainda no presídio disse que os pastores o aconselhavam a se mudar para outra cidade, mas ele estava "cansado de fugir" e queria se estabilizar.
Não deu tempo. O cidadão Florisvaldo foi assassinado 35 dias após "a morte definitiva" de Cabo Bruno.

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