sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Santidade Segundo Jesus por Caio Fábio - parte 2


A obra redentora de Jesus conforme relacionada ao tema da santidade: "E a favor deles eu me santifico a mim mesmo..." (v.19).

A segunda idéia à qual o tema do Pai Santo e da santidade está relacionada em João 17 é a obra salvífica de Jesus. 

Isso porque a santificação que o Pai santo pede dos Seus filhos só pode ser vivida em Cristo. 

É por isso que Jesus, conquanto nos desafie concretamente à vivência da santidade, nos faz provisão espiritual para que tal santificação seja uma possibilidade. 

Sem tal provisão espiritual a vida cristã é simplesmente impossível. 

Talvez essa seja justamente a nossa principal falha histórica: tentar viver a santidade para a qual somos chamados, por nossa própria conta e meios. Talvez o mais terrível exemplo disso na atualidade esteja exatamente demonstrado na queda dramática e escandalosa de pregadores, cujos projetos teológicos e pessoais pregam comportamentos de santidade homocentrica. 

Ora, a única diferença entre legalismo e santidade é que o primeiro é esforço humano e o segundo é obra do Espírito.

Por que estou dizendo isso? Simplesmente para mostrar o que Jesus dissera quando afirmou que a "favor dos discípulos Ele se santificava a si mesmo", era muito mais do que poesia sacerdotal. 

De fato, tratava-se da mais fundamental afirmação de segurança espiritual que a Palavra de Deus nos oferece. 

É sabido por todos nós, que Jesus Cristo é a única provisão de Deus para a salvação humana. E na minha maneira de ver, salvação e santificação andam extremamente ligadas. Para entendermos o tema da santificação, precisamos entender primeiro o tema da salvação e aquilo a que ela está ligada.

Ora, Deus está redimindo hoje o espírito humano de modo forense e judicial, por causa da obra de Jesus na cruz. No entanto, tal salvação também traz consigo o anúncio das boas-novas de um processo redentivo, multidimensional, que Deus continua a realizar, atingindo variados segmentos da nossa própria vida. 

É isto que Paulo diz num texto que tem criado problemas na mente de muitos irmãos: "... desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor, porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar segundo a sua vontade" (Fp. 2.13). 

O fato de a salvação precisar ser desenvolvida, não significa que ela tem de ser conquistada. 

Nós só desenvolvemos aquilo que temos, e nós temos a salvação, definitivamente, pela fé na Graça de Cristo. 

Tal salvação, precisa apenas expandir-se, corporificar-se e multidimensionar-se na existência humana. É também por isto que Paulo continua apresentando alguns exemplos básicos de como fazer a salvação “crescer”: "sem murmurações nem contendas". 

Ora, isto tem a ver com a nossa interioridade curada e com as relações que precisam ser reconciliadas para que, na História, nos tornemos “irrepreensíveis e sinceros filhos de Deus, e inculpáveis no meio de uma geração pervertida e corrupta”.

A salvação judicial e forense, por meio da fé em Jesus, deve desembocar num processo de humanização, tendo Jesus como protótipo, conforme diz Romanos 8.29 "Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes a imagem de seu filho, a fim de que Ele seja o primogênito entre muitos irmãos". 

A salvação que se recebe pela fé, desse momento em diante, entra na fase de desenvoltura dentro de cada pessoa para quem Jesus é o Salvador, o projeto, o protótipo, a referência e o Mestre. 

Isto porque o plano de Deus é que esta salvação se multidimensione em cada um de nós, de modo a caminhar na direção de tornar cada pessoa "conforme a imagem de seu Filho, para que Ele seja o primogênito entre muitos irmãos", os quais são parecidos com Ele.


Assim é que, metafisicamente, aos olhos de Deus, nós somos uma obra acabada. Sua graça nos fez totais aos Seus olhos, de modo que judicial e forensemente estamos justificados. 

Mas historicamente falando, porém, veja o que Paulo diz em Filipenses 3.12,13: "Não que eu o tenha já recebido ou tenha já obtido a perfeição; mas prossigo para conquistar aquilo para o que também fui conquistado por Cristo Jesus". No versículo 16 diz ainda: “Todavia, andemos de acordo com o que já alcançamos”. O versículo 15 ele já havia dito: “Todos pois que somos perfeitos, tenhamos este sentimento”. Os dois elementos (salvação-forense-judicial versus salvação-histórico-processual) estão presentes nestas citações.

Veja o que se diz acerca da salvação forense-judicial: "Nós que somos perfeitos" (v.15). Ora, tal afirmação só é possível em Cristo. Fora dele, nenhum de nós, inclusive Paulo, é imperfeito e inacabado.

Veja agora o que se diz sobre a salvação histórico-processual: “não tenho obtido a perfeição...mas prossigo para conquistar...todavia andemos de acordo com o que já alcançamos...” (v.12,13,16).

Assim é que, forense e judicialmente estamos perfeitos em Cristo. 

Historicamente
, porém, estamos ainda a caminho, de modo que a justificação já realizada e acabada em Cristo não deve estagnar o processo histórico de continuidade de nossa salvação. 

Com relação a este último aspecto, Paulo utiliza em Filipenses três palavras e expressões processuais do tipo “prossigo”, “avançando”, “andemos”, “não alcancei”, e “tenho um alvo”. São palavras e expressões que nos colocam a caminho e que não permitem que a justificação se engesse no moralista religioso ou se apóie na graça barata.

Ainda em Filipenses 3, Paulo diz que a salvação, enquanto obra a ser desenvolvida, implica num processo histórico, pois tem relação com três tempos: passado, presente e futuro. 

Ele diz que as “coisas que para trás ficam”, para trás ficam; que as coisas do presente ao presente pertencem (“não que eu tenha alcançado”) e que as coisas do futuro, “diante de mim estão”. Ora, isto é precisamente o que compõe a História: presente, passado e futuro. Portanto, tal salvação-santificação tem que se desenvolver aqui, na História.

Paulo também afirma que este processo histórico pode ser chamado de processo de “cristificação”. Esse processo é dinâmico. Ele diz: “...não obtive, porém prossigo...”. Todos nós podemos alcançar tudo quanto Deus colocou à nossa disposição.

Ora, aqui neste ponto nós voltamos objetivamente ao tema da santificação, e com uma pergunta. Isto porque uma vez que os conceitos básicos relacionados com a salvação estão postos, nós devemos perguntar o que isso tem a ver com a nossa santificação. 

Não devemos nos esquecer de que em João 17, texto de nosso estudo, o Senhor Jesus disse que Ele mesmo se santificava a nosso favor. 

Ou seja: há algo da vicariedade de Jesus na nossa santificação também. É bom afirmar isto, pelo simples fato de que há muito legalismo com relação à perspectiva da santificação. 

Na maioria das vezes, a santificação tem sido entendida como sendo o “lado humano” da salvação. Ou seja: “Cristo nos salvou e cabe a nós tornarmo-nos dignos da salvação através da santificação”. No entanto, não há santificação possível que prescinda também da graça santificadora de Deus. 

Com isto não estou dizendo que a santificação não implica em compromissos éticos concretos na história. Se assim fosse, eu estaria negando tudo o que escrevi a respeito da necessidade das nossas vidas confirmarem a revelação da Palavra. 

Como diz Willian Barclay: “o cristianismo, como também o judaísmo, é essencialmente uma religião ética. Por isso se deve dizer que o cristianismo insiste que o ser humano deva viver um certo tipo de vida e ser um certo tipo de pessoa” (William Barclay; "The Mind of ST. Paul”, pág 75).

Do mesmo modo que o Novo Testamento ensina que a salvação é fruto da graça de Deus realizada e consumada em Jesus Cristo, ele nos ensina também que a realidade da santificação se alimenta da mesma fonte de eficácia espiritual: a Graça. 

A santificação resulta de uma vida que antes de tudo se viu morta em Jesus Cristo para o pecado (Rm. 6.11-14). 

Na realidade, a questão-chave da santificação se resume na expressão “estar em Cristo”. 

Estar em Cristo significa TUDO na vida cristã. 

Literalmente, não há qualquer progresso humano possível, fora desse estar “em Cristo”. 

Neste sentido, há uma diferença fundamental entre estar “em Cristo” e estar “na igreja”. 

Obviamente acredito que estar em Cristo significa também estar na IGREJA de Cristo. A questão, no entanto, é que a Igreja de Cristo se misturou com aquilo que nós chamamos de Cristandade. 

Foi precisamente nesse sentido que Santo Agostinho disse “que a igreja tem muitos aos quais Deus não tem e que Deus tem muitos aos quais a igreja não tem”. 

Para Santo Agostinho, a “igreja” não era necessariamente a IGREJA. Podia ser apenas uma deformação institucionalizada daquilo que Jesus sonhara.

Isso porque, Santo Agostinho quanto nós, acreditamos que quem de fato está em Cristo está na IGREJA, e na comunhão da fé que a verdadeira Igreja promove e para a qual nos convida. 

No entanto, há aqueles que estão na IGREJA e que não conseguem “entrar nas igrejas”. Esses são cristãos, mas não suportam aquilo que nós chamamos de “cristianismo”.


Descrevendo esse afastamento do cristianismo em relação à IGREJA conforme exposta no Novo Testamento, Jacques Ellul afirma em “Subversion of Christianity” o momento histórico em que essa mudança teve e tem lugar. 

O momento é exatamente quando sai-se da perspectiva orgânico-qualitativa de igreja para a perspectiva organizacional-institucional (por exemplo, quando a comunidade da fé vira “ismo”). 

Nesse caso, é como se uma fonte de água viva fosse transformada em um canal de irrigação mais ou menos regulado e estagnado, até ao ponto em que a água da fonte original torna-se totalmente poluída na medida em que ela vai sendo “mecânica e artificialmente trabalhada” pelo sistema de distribuição.

De fato, o grande segredo da santificação, como já dissemos, é estar em Cristo e tendo sempre a coragem de verificar se estamos mesmo Nele (II Co. 13.5) Este é o princípio essencial à santificação e às demais virtudes da fé cristã. Do ponto de vista do Novo Testamento “em Cristo” nós temos:

1. Consolação: “Se há, pois, alguma exortação em Cristo, alguma consolação de amor, alguma comunhão do Espírito, se há entranhados afetos e misericórdias, completai a minha alegria...” (Fp. 2.1,2).

2. Ousadia: “Pois bem, ainda que eu sinta plena liberdade em Cristo para te ordenar o que convém ” (Fm 8).

3. Liberdade: “E isto por causa dos falsos irmãos que se intrometeram com o fim de espreitar a nossa liberdade que temos em Cristo Jesus, e reduzir-nos a escravidão” (Gl. 2.4).

4. Vitória contra a mentira: “Digo a verdade em Cristo, não minto, testemunhando comigo, no Espírito Santo, a minha própria consciência” (Rm. 9.1).

5. Promessas: “...a saber que os gentios são co-herdeiros, membros do mesmo corpo e co-participantes da promessa em Cristo Jesus por meio do evangelho” (Ef. 3.6).

6. O AMÉM de Deus à vida: “Porque quantas são as promessas de Deus tantas têm nele o sim; porquanto também por ele é o amém para a glória de Deus, por nosso intermédio” (11 Co. 1.20).

7. Somos santificados: “À igreja de Deus que está em Corinto, aos santificados em Cristo Jesus, chamados para ser santos, com todos os que em todo o lugar invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor deles e nosso” (1 Co. 12).

8. Somos sábios: “Nós somos loucos por causa de Cristo, e vós sábios em Cristo; nós fracos e vós fortes; vós nobres e nós desprezíveis” (Co. 4.10).

9. Somos novas criaturas: “E assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura: As coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas" (II Co. 5.17).

10. Somos chamados: "Porque o que foi chamado no Senhor, sendo escravo, é liberto do Senhor; semelhantemente o que foi chamado, sendo livre. é escravo de Cristo” (I Co. 7.22).

11. Temos o mais elevado objetivo: "Prossigo para o alvo, para o
prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus" (Fp 3.14).

12. Apesar de tantas vezes sermos imaturos, somos salvos:"Eu. porém, irmãos, não vos pude falar como a espirituais; e, sim, como a carnais. como a crianças em Cristo"(I Co. 3.1).

13. Estamos estabelecidos: "Mas aquele que nos confirma convosco em Cristo, e nos ungiu, é Deus" (11 Co. 1.21).

14. Podemos andar em vitória: "Ora, como recebestes a Cristo Jesus, o Senhor, assim andai nele" (Cl. 2.6).

Tudo isso parece simples demais para as mentes mais sofisticadas e teológicas, as quais, por certo, até "pularam" esta série de 14 afirmações decorrentes de se "estar em Cristo". 

No entanto, as coisas acima mencionadas são seríssimas. 

Se não veja: se elas são assim tão simples,

  • Por que há tão poucas evidências dessa santificação em nosso meio? 
  • Por que tanto pecado, imoralidade, roubo, mentira, descrença, administração iníqua dos bens da igreja por parte de líderes? 
  • Por que tanta traição, falsidade, calúnia, inveja e maldade? 
  • Por que isso acontece tão intensamente dentro da igreja quanto acontece fora dela? 
  • Por que os grupos cristãos mais legalistas são, tantas vezes, as mais desgraçadas vítimas desse fracasso?
Talvez tudo isso aconteça pela simples razão de que aquilo que o evangelho nos convida a ser tem íntima ligação com a Graça de Deus. E, nesse sentido, aquilo que o evangelho oferece é intolerável e inaceitável. 

Você julga que há alguma coisa aceitável na graça? Não! As pessoas não gostam da graça justamente porque a graça não lhes dá controle sobre a situação. 

A graça não depende de mim. Ela extrapola meu domínio. Não há nada de seguro no fato das pessoas condenadas à morte estarem livres dela porque um desconhecido e Estranho Soberano simplesmente as livrou disso, sem lhes dar qualquer razão justificável para tal ato. 

A graça é totalmente arbitrária: "Eu serei gracioso para quem Eu quiser ser gracioso e misericordioso para quem Eu quiser ser misericordioso..." 

Nesse caso não há nada que possamos fazer: não há sacrifícios, ritos, orações, atos de bondade, busca de sabedoria, ascetismo moral e religioso, etc. 

Nada pode ser feito para se ter controle sobre a graça. 

Não há trocas a serem feitas, e assim nos sentimos extremamente humilhados na nossa incapacidade de "justificar" a relação, pelo menos por um pouco. 

A graça exclui tudo aquilo que nos garante segurança. 

Nossos sacrifícios não são aceitos, nossos moralismos são ridicularizados, nossas liturgias são chamadas de cansativas, e nossas justiças próprias são chamadas de trapos de imundícia. 

Pode haver algo mais afrontoso para a natureza humana do que esse estado de absoluta impotência no qual a graça coloca a todos nós? Não! E por isso que o legalismo é o supremo ato de rebelião contra Deus. 

O legalismo é mais blasfemo do que o desconhecimento de Deus (Rm. 2.12-16). O sincretismo, o paganismo e a promiscuidade suscitaram menos a ira de Jesus do que o legalismo que lutava contra a graça. 

Todos nós ficamos possuídos por um desejo obcecante de justiça própria. Temos obcecante desejo por nos mostrar justos e retos. 

Nossa maior idolatria é aquela na qual nós mesmos somos os "nichos" e os “santos" do nosso culto moral. 

Nosso maior prêmio é sermos vistos como justos pela nossa comunidade. 

Ora, nesse sentido, nós, "religiosos", somos menos susceptíveis à graça de Deus do que as meretrizes e os pecadores da nossa sociedade? Eles já estão "como canas quebradas e como torcidas que fumegam" (Mt 12.20). Eles já perderam a chance de lutar pela sua justiça própria. 

Foi por isso que eles foram os mais receptivos à graça de Deus durante o ministério de Jesus.

Eu quero dizer que a única maneira de receber o beneficio da graça de Jesus que nos santifica é mediante a aceitação da nossa total incapacidade de justificar o que Deus fez e está fazendo em nós. 

Somente quando nossas armas estão completamente depostas é que o Espírito pode atuar em nós, a fim de nos fazer entrar no profundo processo da santificação. 

Cristo já fez tudo na Cruz. 

O que nos resta é exorcizar os demônios das nossas pretensões religiosas, a fim de sermos suficientemente simples para receber aquilo que só os humildes de espírito admitem: a graça de Deus.

Paginas 38 a 47 de ORAÇÃO PARA VIVER E MORRER, publicado em 1994; e escrito em 92; por Caio Fabio.

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