(1) O prazer de ser louvado não é orgulho. A criança que recebe sinais de afeto por ter feito bem a lição; a mulher cuja beleza é louvada por aquele que a ama; a alma que se salvou e à qual Cristo diz: “Muito bem, servo bom e fiel”; todos esses são, e devem ser, agraciados. Pois aqui o prazer reside não no que somos, mas em agradar a quem desejamos (corretamente) agradar. O mal começa quando, depois de pensarmos: “Eu o agradei, que bom”, passarmos a pensar: “Como devo ser bom, por ter conseguido agradá-lo assim!”
(2) Dizemos muitas vezes que fulano tem “orgulho” de seu filho, ou de seu pai, ou da sua escola ou do seu regimento; a pergunta que surge agora é: “orgulho”, nesse sentido, é pecado? A resposta vai depender do que queremos dizer com a palavra “orgulho”. Muitas vezes, empregamos esta palavra para dizer que “temos uma sincera admiração”. Tal sentimento está muito longe de ser pecado. Mas pode acontecer que a pessoa em questão se ache muito importante por ter um pai ilustre ou por estar num famoso regimento. Isso já seria, claramente, um erro; mesmo assim, é melhor do que simplesmente ter orgulho de si mesmo. Amar e admirar algo que não seja a si mesmo é recuar um passo da total ruína espiritual; todavia não estamos bem enquanto amamos e admiramos alguma coisa mais do que amamos e admiramos a Deus.
(3) Não se deve pensar que Deus proíbe o orgulho porque o ofende, ou que exige a humildade como elemento necessário para sua própria dignidade, como se o próprio Deus fosse orgulhoso. Ele não está, nem por um instante, preocupado com a sua própria dignidade. A questão é que Deus quer que o conheçamos, quer se dar a nós. E a relação entre nós e Deus é de uma natureza tal que, se tivermos qualquer espécie de contato real com Deus, nós nos tornaremos, de fato, humildes – prazerosamente humildes, sentindo o infinito alívio de termos nos livrado de uma vez por todas da absurda bobagem de nossa própria dignidade, que nos fez ansiosos e infelizes por toda a vida. Deus procura fazer-nos humildes a fim de tornar possível este momento: ele quer nos ajudar a tirar todas essas tolas e absurdas fantasias com que nos enfeitamos, andando por aí todo empertigados como os pequenos idiotas que somos. Eu mesmo gostaria de ter caminhado mais nessa área de humildade; se tivesse, com certeza conseguiria expressar-me melhor sobre o alívio e o prazer de tirar a fantasia, de livrar-me do falso eu com todos os seus “Olhem para mim” e “Não acham que sou uma boa pessoa?” e com todo o seu artificialismo e jactância. Conseguir chegar perto disso, nem que seja por um momento, é como um copo de água fresca no deserto.
(4) Não pense que, se você conhecer um homem verdadeiramente humilde, ele será o que as pessoas chamam de “humilde” hoje em dia: aquele tipo escorregadio e bajulador que repete constantemente que não é ninguém. Provavelmente, a impressão que uma pessoa humilde deixará é de alguém muito alegre e inteligente, que demonstrou sincero interesse pelo que você lhe contou. Se você não gostou dele, é porque sentiu um pouco de inveja de alguém que parece ter prazer na vida com tanta facilidade. Ele não é do tipo que pensa em humildade; aliás, não chega nem mesmo a pensar em si próprio.
A quem queira adquirir a humildade, acho que posso ensinar-lhe o primeiro passo. É compreender que é orgulhoso. E este não é um passo insignificante. Pelo menos nada, nada mesmo, pode ser feito até que se chegue nesse lugar. Se você acha que não é orgulhoso, é sinal de que, na realidade, é extremamente orgulhoso.
Extraído de “Cristianismo Puro e Simples”, de C. S. Lewis, Editora Martins Fontes, Livro III, capítulo 8. C. S. Lewis (1898-1963) é considerado o maior escritor cristão do século XX.
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