terça-feira, 2 de outubro de 2007

O Grande Pecado por C. S. Lewis

Em se tratando de moral cristã, há uma parte que difere mais nitidamente de todas as demais religiões. É aquela que trata do pecado do qual ninguém neste mundo escapa; um pecado que todos detestam nos outros e do qual quase ninguém, exceto os cristãos, tem a consciência de cometer. Sei de pessoas que admitem ter mau gênio, que sabem que perdem a cabeça em se tratando de mulher ou de bebida e que reconhecem até mesmo que são covardes. Entretanto, acho que nunca ouvi uma pessoa que não fosse cristã se acusar deste pecado.

Ao mesmo tempo, como é difícil encontrar pessoas (não cristãs) que demonstrem um mínimo de benevolência para com os que o cometem! Não há falta que torne a pessoa mais impopular, nem falta de que tenhamos menos consciência em nós mesmos. E quanto mais forte essa falta for em nós mesmos, tanto mais ela nos desagradará nos outros.

O pecado a que me refiro é o orgulho ou presunção; a virtude que lhe é oposta, na moral cristã, chama-se humildade. Ter moralidade sexual, embora importante, não é o centro da moral cristã.


De acordo com os mestres do Cristianismo, o pecado principal, o supremo mal, é o orgulho. A falta de pureza, a ira, a ganância, a embriaguez e tudo o mais, em comparação com ele, são ninharias. Foi pelo orgulho que o demônio tornou-se o demônio. O orgulho conduz a todos os outros pecados: é o mais completo estado de alma anti-Deus.

Por Que o Orgulho é Pior?

Você acha que estou exagerando? Se acha, pense bem no caso. Observei há pouco que quanto mais orgulho se tem, mais este pecado nos desagrada nos outros. De fato, se quisermos descobrir o quanto somos orgulhosos, o método mais fácil é perguntar a nós mesmos: “Quanto me desagrada ver os outros me desprezarem, recusarem-se a me dar qualquer atenção, intrometerem-se em minha vida, tratarem-me com ares paternais ou se exibirem com ostentação?” O problema é que o orgulho de cada um compete com o orgulho de todos os demais. É porque eu queria ser o “destaque” da festa que me aborreço tanto quando um outro é que ficou em proeminência. Dois bicudos não se beijam.

O ponto aqui é que o orgulho é essencialmente competidor; é competidor por sua própria natureza, enquanto que os outros pecados são, por assim dizer, competidores apenas por acaso.

O orgulho não sente prazer em possuir algo, mas apenas em possuir mais do que o próximo.

Dizemos que alguém tem o orgulho de ser rico, ou de ser inteligente ou de ter boa aparência, mas não é assim. A pessoa tem o orgulho de ser mais rica, mais inteligente ou de melhor aparência do que os outros. Se todo o mundo se tornasse igualmente rico, inteligente ou de boa aparência, não haveria nada do que se orgulhar. É a comparação que nos torna orgulhosos: o prazer de estar por cima dos outros. Não havendo o fator competição, o orgulho desaparece.

Esta é a razão pela qual eu disse que o orgulho é essencialmente competidor de uma maneira em que os outros pecados não o são.

O instinto sexual poderá levar dois homens à competição, se ambos desejarem namorar a mesma garota. Mas isso é apenas acidental; poderiam da mesma forma ter desejado duas garotas diferentes. Contudo, o homem orgulhoso procurará tirar a garota do outro, não porque a queira, mas para provar a si mesmo que é melhor do que o outro. A ganância poderá levar à competição se não houver o bastante para todos; mas o orgulhoso, mesmo depois de ter mais do que desejava, tentará conseguir ainda mais simplesmente para afirmar o seu poder. Quase todos os males do mundo atribuídos à ganância ou ao egoísmo são, na verdade, muito mais o resultado do orgulho.

Exemplifiquemos com o caso do dinheiro. A ganância certamente fará com que se deseje dinheiro para ter uma casa melhor, melhores férias, melhores alimentos e bebidas. Mas isso só vai até um certo ponto. O que é que faz um executivo, que já ganha um salário elevado, ficar ansioso por ganhar ainda o dobro? Certamente não é a ganância de maiores prazeres. O que ele ganha dá para comprar todos os bens ou prazeres de que alguém possa usufruir. É o orgulho, o desejo de ser mais rico do que alguém que também é rico, e (mais ainda) o desejo de ter poder. Porque é no poder que o orgulho mais se deleita. Não há nada mais que faça alguém se sentir superior em relação aos demais do que o ser capaz de movê-los como soldadinhos de chumbo.

O que é que faz com que uma bela mulher espalhe tristeza por onde passa, pelo simples fato de despertar admiradores? Não é, certamente, o seu instinto sexual, porque essa espécie de mulher é muitas vezes frígida sexualmente. É o orgulho. O que é que faz um líder político, ou toda uma nação, prosseguir indefinidamente querendo cada vez mais? Outra vez, o orgulho. O orgulho é competidor por natureza; por isso ele não pára nunca. Se eu for orgulhoso, enquanto existir no mundo alguém mais poderoso, ou mais rico, ou mais inteligente do que eu, esse será meu rival e inimigo.

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