quinta-feira, 2 de abril de 2009

O Conto do Peru por Flannery O´Connor.


Única verdade real: Somos amados por Deus - parte 1

No conto de Flannery O'Connor, The turkey, o anti-herói e protagonista é um garotinho chamado Ruller. Sua auto-imagem é ruim porque nada cm que põe a mão parece dar certo. À noite, em sua cama, ele ouve os pais o analisarem:

— O Ruller não é normal — diz seu pai. — Por que ele sempre brinca sozinho? — E sua mãe responde: — Como eu vou saber?

Um dia, Ruller percebe, na mata, um peru selvagem ferido e inicia uma intensa perseguição. "Ah, se eu conseguir pegá-lo!", ele grita. Vai pegá-lo ainda que tenha de correr até desmaiar. Ele se vê marchando triunfantemente pela porta da frente de sua casa, com o peru pendurado no ombro e toda a família gritando:

— Vejam o Ruller com um peru selvagem! Ruller, onde você conseguiu esse peru?

— Ah, eu o capturei na mata. Talvez algum dia vocês possam pegar um desse, como eu.

Mas, então, um pensamento lhe cruza a mente: "provavelmente, Deus vai me fazer perseguir este maldito peru a tarde inteira por nada". Ele sabe que não deveria pensar assim a respeito de Deus —, mas é assim que se sente. Seria possível evitar esse sentimento? Fica curioso por saber se é anormal.

Finalmente, Ruller captura o peru quando este cai morto por causa da ferida de um tiro que, anteriormente, o havia atingido. Ele o coloca nos ombros e inicia sua marcha messiânica de volta ao centro da cidade. Lembra-se de coisas que pensara antes de conseguir a ave. Eram pensamentos consideravelmente ruins, ele supõe. Imagina que Deus o tinha interrompido antes que fosse tarde demais. Deveria estar muito agradecido. — Obrigado, Deus! — ele diz. — Sou muito grato a ti. Este peru deve pesar uns quatro quilos. Foste tremendamente generoso.
Talvez, conseguir o peru seja um sinal, ele pensa. Talvez, Deus queira que seja um pregador. Pensa em Bing Crosby e Spencer Tracy enquanto adentra a cidade com o peru dependurado no ombro. Quer fazer algo para Deus, mas não sabe o quê. Se tivesse alguém tocando acordeão, na rua, hoje, ele daria seus dez centavos. São os únicos centavos que possui, mas ele os daria.

Dois homens se aproximam e assobiam. Chamam os outros homens que estavam na esquina para ver o peru.

Quanto você acha que ele pesa? — perguntaram eles.

Pelo menos uns quatro quilos — Ruller respondeu.

Por quanto tempo você o perseguiu?

Por quase uma hora — disse Ruller.

Isso é mesmo impressionante. Você deve estar bem cansado.

Não, mas tenho de ir — Ruller replica. — Estou com pressa. Ruller não via a hora de chegar em casa.

Ele deseja encontrar alguém mendigando. De repente, ele ora: "Senhor, mande um mendigo. Mande-o antes de eu chegar em casa". Deus pôs o peru naquele momento. Certamente, enviará um mendigo. Ele tem certeza de que Deus enviará alguém. Por ser uma criança singular, ela interessa a Deus. "Por favor, um mendigo agora mesmo!" — e nesse instante uma velha mendiga surge bem a sua frente. Seu coração bate com força. Ele dispara em direção à mulher, gritando: — Aqui, aqui —, aperta os dez centavos na mão e sai correndo sem olhar para trás.

Lentamente seu coração se acalma, e ele começa a ter um novo sentimento — algo como estar alegre e confuso ao mesmo tempo. Possivelmente, ele pensa, dará todo seu dinheiro a ela. Sente como se o chão não precisasse mais estar debaixo dele.

Ruller percebe um grupo de garotos da roça arrastando-se atrás dele. Ele se volta e pergunta, generosamente:

— Querem ver o peru ?

Os garotos o olham fixamente:

Onde você conseguiu esse peru?

Eu o achei na mata. Eu o cacei até a morte. Vejam, tomou um tiro na asa.

Deix'eu ver — diz um garoto.

Ruller lhe dá o peru. A cabeça do animal voa na direção de seu rosto enquanto o garoto o gira no ar sobre o próprio ombro, e dá meia volta e leva embora o peru. Os outros garotos também se viram e vão embora, andando despreocupadamente.

Eles estão a quatrocentos metros de distância quando Ruller se mexe. Finalmente, estão tão longe que nem consegue enxergá-los. Em seguida, ele se arrasta para casa. Anda um pouco e então, ao perceber que está escuro, subitamente começa a correr.

A requintada fábula de Flannery O'Connor termina com as palavras: "Ele correu cada vez mais rápido, e à medida que subia pela estrada de sua casa, sentia o coração tão acelerado quanto as pernas. Estava certo de que Algo apavorante rasgava atrás dele, com os braços rijos e os dedos prontos para agarrar".

Diante de Ruller, muitos de nós, cristãos, encontramo-nos revelados, despidos, expostos. Nosso Deus aparentemente é o Único que dá perus com benevolência e caprichosamente os tira.

Quando os dá, sinaliza o interesse e o prazer que tem em nós. Sentimo-nos próximos de Deus e somos incitados à generosidade. Quando os tira, sinaliza o desprazer e a rejeição. Sentimo-nos repudiados por Deus.

Ele é volúvel, imprevisível, excêntrico. Firma-nos apenas para nos decepcionar. Lembra-se de nossos pecados do passado e retalia arrancando os perus de saúde, riqueza, paz interior, progenitura, império, sucesso e alegria.

Assim, inadvertidamente, projetamos em Deus as atitudes e os sentimentos que nutrimos por nós mesmos. Como Blaise Pascal escreveu: "Deus fez o homem a sua imagem e semelhança, e o homem retribuiu a gentileza".

Portanto, se nos detestamos, tomamos por certo que Deus sente o mesmo por nós.

Mas, não podemos pressupor que ele sinta por nós o mesmo que sentimos por nós mesmos — a menos que nos amemos compassiva, intensa e livremente.

Na forma humana, Jesus nos revelou como Deus é. Ele expôs nossas projeções como idolatria e nos ofereceu um caminho para nos libertarmos delas.

É necessária uma profunda conversão para aceitar que Deus é inflexivelmente terno e compassivo conosco da maneira como somos — não a despeito de nossos pecados e culpas (isso não seria aceitação total), mas com elas.

Apesar de Deus não tolerar, ou sancionar o mal, ele não retém seu amor por nós devido à nossa maldade.

Se jogue nesse amor!!!!

Retirado do livro:
O impostor que habita em mim - Brennan Manning.

Um comentário:

  1. Ao lado de Flannery O’Connor, François Mauriac, Paul Claudel e Walker Percy, o francês Georges Bernanos figura entre os grandes escritores cristãos do século XX, ao ponto de o grande teólogo alemão Hans Urs von Balthasar ter-lhe dedicado um livro inteiro. Sua obra tem sido publicada no Brasil pela É Realizações Editora, e agora sua passagem pelo país é narrada ao público local. O estudo de Sébastien Lapaque “Sob o Sol do Exílio: Georges Bernanos no Brasil (1938-1945)” acaba de ser publicado, trazendo à luz a visita de Bernanos a várias cidade do Rio de Janeiro e Minas Gerais, sua estadia no sítio Cruz das Almas, sua revolta contra a mediocridade dos intelectuais e a ascensão do totalitarismo, sua amizade com pensadores brasileiros e a visita que Stefan Zweig lhe fez à véspera de se suicidar.

    Matérias na Folha de S. Paulo a propósito do lançamento do livro: http://goo.gl/O8iFve e http://goo.gl/ymS4lL
    Para ler algumas páginas de “Sob o Sol do Exílio”: http://goo.gl/6hAEOM

    Confira também:
    Diálogos das Carmelitas: http://goo.gl/Yy3ir3
    Joana, Relapsa e Santa: http://goo.gl/CAzTTk
    Um Sonho Ruim: http://goo.gl/Kd091z
    Diário de um Pároco de Aldeia: http://goo.gl/ISErLc
    Sob o Sol de Satã: http://goo.gl/qo18Uu
    Nova História de Mouchette: http://goo.gl/BjXsgm

    ANDRÉ GOMES QUIRINO
    mkt1@erealizacoes.com.br
    (11) 5572-5363 (r. 230)

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