sábado, 19 de junho de 2010

No Sopro do Vento: a Imprevisibilidade da Vida em Cristo - parte 1

Ele era um líder religioso e, com receio de ser visto por alguém, foi conversar com Jesus na escuridão da noite. Sabia que os milagres de Jesus eram prova de que Deus estava com ele e, por isso, queria fazer parte de seu reino. Não imaginava, porém, o que isso exigiria dele.

Talvez, Nicodemos quisesse instruções para seguir, novas regras que lhe dessem acesso a essa vida sobrenatural. Mas Jesus não lhe ofereceu regra alguma. Simplesmente disse que precisava recomeçar do zero, nascer de novo.

A ideia deixou Nicodemos com a cabeça baratinada, tentando compreender como ele, um homem velho, poderia nascer outra vez. Jesus deve ter se divertido ao ver sua perplexidade. Não era de um nascimento físico que Nicodemos precisava; era de um nascimento espiritual. Ele já sabia muito bem viver como homem neste mundo. Porém, para poder enxergar a realidade do reino vindouro, precisaria de um renascimento pelo Espírito. Por quê? Porque nada desse reino pode ser visto, perseguido ou abraçado pela carne, por mais bem-intencionada que ela seja. O reino funciona de maneira totalmente contrária a tudo o que a carne enxerga e reconhece.

O mais surpreendente nesse caso é que não havia conflito algum entre a carne de Nicodemos e o fato de ele ser um líder religioso. Ao mesmo tempo em que a religião, em um nível, procurava restringir seus apetites carnais, ela também satisfazia outros, como a cobiça por poder ou status religioso. Já o reino que Jesus trazia era diferente. Oferecia a Nicodemos não um novo padrão de desempenho e realização, mas uma forma completamente nova de viver. Para abraçar isso, seria necessário um novo nascimento do Espírito que abrisse seus olhos espirituais.

Foi neste ponto que Jesus deixou cair a bomba: “O vento sopra onde quer, ouves a sua voz, mas não sabes donde vem, nem para onde vai; assim é todo o que é nascido do Espírito” (Jo 3.8).

Eu podia compreender como o Espírito se assemelha ao vento que não pode ser definido ou controlado, mas imaginar que quem nasce dele também se torna assim cativou meu coração ao ouvir essas palavras pela primeira vez quando ainda era jovem. Não me recordo de quem as leu ou de onde eu estava, mas me lembro muito bem de como encheram meu coração com um chamado irresistível de mistério e aventura. Todas as vezes que li o evangelho de João, desde então, essas palavras reacenderam a mesma paixão por viver algo que o melhor da religião jamais poderia produzir.

Nascido de novo

Sem dúvida alguma, temos banalizado essa passagem nos últimos 50 anos ao aplicar o termo nascido de novo a todo aquele que meramente profere a oração do pecador, é batizado e passa a frequentar uma comunidade menos liberal e mais “bíblica”. O termo nascido de novo é usado hoje como sinônimo de evangélico para definir um tipo mais conservador de cristianismo e questionar a fé daqueles que não usam o mesmo rótulo. Transformamos um termo que Jesus usou para convidar as pessoas ao seu reino num dos termos mais sectários do cristianismo, provando que perdemos completamente o ponto principal.

Se Jesus tivesse intenção de definir seu reino por meio de um credo, este teria sido o momento ideal para fazê-lo. Se Nicodemos pudesse ter visto o reino por meio de determinados rituais ou sacramentos, ou por endossar a ética de uma vida moral e limpa, Jesus lhe teria explicado exatamente nesse ponto. Mas Jesus não estava redefinindo a religião da Velha Aliança; estava oferecendo uma nova maneira de viver que era impossível de ser definida ou compreendida pela mente natural.

Nicodemos não precisava de novos princípios; precisava recomeçar sua jornada espiritual desde o princípio. A religião que conhecia tão bem nunca evoluiria para uma fé capaz de transformar a vida. Nascer de novo significava que teria de deixar de lado tudo o que achava que conhecia sobre coisas espirituais e aprender uma vida baseada no Espírito. Jesus sabia que isso seria difícil para alguém tão imerso na religião, e a dificuldade de Nicodemos para compreender suas palavras provou o quanto ele tinha razão.

O mesmo ocorre com todos nós. Quanto maior nossa formação e prática em atividade religiosa, mais difícil é enxergar o reino como realmente é. Há milhões de pessoas no planeta hoje que afirmam ter nascido de novo – e que não têm a mais vaga ideia de quem é Jesus ou de como viver sua realidade. Podem concordar com premissas cristãs, seguir uma ética cristã e praticar rituais cristãos, mas não sabem como andar no vento do seu Espírito e ser transformado por ele.

Nascer de novo é um processo real que abre os olhos e o coração para poder participar num reino que suplanta totalmente este mundo material em que todos nós fomos ensinados a viver.

Andando no vento

Para ilustrar o novo nascimento, Jesus busca no vento uma metáfora para descrever três aspectos da nova vida:

Ele sopra onde quer. Ninguém consegue controlar o vento. Mesmo com nossa imensa tecnologia, as forças que controlam o vento são muito maiores do que aquelas que podem ser influenciadas pela humanidade. Ainda que quiséssemos, em determinados momentos, impedi-lo ou mudar sua direção, não há absolutamente nada que possamos fazer.

Você ouve a sua voz. Embora o vento seja invisível, podemos ouvi-lo, senti-lo na pele e ver seus efeitos no mundo à nossa volta. Em minha cidade (na Califórnia, EUA), recentemente tivemos ventos constantes de quase 50 km/h durante uma semana e que atingiram, às vezes, 80 km/h. Deixaram nossa rua cheia de lixo quando derrubaram as latas de coleta.

Você não sabe de onde vem nem para onde vai. Você nunca quis saber de onde vem todo esse vento e para onde acaba indo? Eu sei que forma turbilhões em volta de áreas de alta e baixa pressão, mas não sei de onde vem o vento que faz redemoinhos à minha volta de manhã nem para onde desaparece mais tarde.

Que metáfora excelente para descrever as ações do Espírito! Ele é como o vento, soprando onde quer, invisível e indecifrável; não temos como saber o que ele está para fazer hoje nem amanhã. Entretanto, embora tudo isso seja verdadeiro, não era o que Jesus estava dizendo. Ele estava comparando o vento a todo aquele que é nascido do Espírito.

Em outras palavras, ele estava falando de mim e de você. Aqueles que nasceram do Espírito movem-se neste mundo exatamente como Jesus descreveu o vento. Vivem a partir de motivações diferentes. Você consegue ver o impacto que causam, mas não consegue entender por que agem assim.

Houve um tempo em que pessoas que agiam assim me deixavam pirado! Quando era pastor, eu ficava perturbado quando alguns dos homens e mulheres mais espirituais que conhecia não se encaixavam em meus programas da forma que eu queria. Não tinham interesse nos cargos importantes que usava para atraí-los e recusavam convites para fazer parte do conselho da igreja. Talvez, não fossem tão espirituais quanto eu imaginava.

Com o tempo, porém, descobri que estavam sintonizados a uma frequência superior. Quando expressei minha frustração a um deles, ele respondeu: “Acho que não posso explicar, mas um dia você entenderá”.

Não gostei nada de sua resposta; cinco anos depois, porém, vi-me dando a mesma resposta a um grupo de oficiais que tentou convencer-me a assumir o pastorado de sua igreja.

O sopro de um vento diferente

Infelizmente, a maioria dos cristãos nunca foi exposta à vida em Cristo dessa forma. Viram o cristianismo apenas como uma religião com verdades para serem aprendidas, regras para seguir e rituais para observar; perderam a beleza que a vida em Jesus pode ter.

Eu amo a forma como Paulo o expressou a Timóteo quando o advertiu a manter a questão principal em primeiro lugar: “Ora, o intuito da presente admoestação visa o amor que procede de coração puro e de consciência boa e de fé sem hipocrisia” (1 Tm 1.5). Veja como esse versículo fica na tradução de Eugene Peterson, The Message: “A questão toda que estamos insistindo é simplesmente amor – amor sem contaminação de interesses pessoais ou fé falsificada, uma vida aberta a Deus”.

Esta é uma vida de amor, não de obrigação – não é tanto o que sabemos sobre Deus, mas o quanto conhecemos do afeto dele por nós e o quanto amamos os outros da mesma forma. Timóteo precisava ficar bem focado nisso, especialmente nas situações em que os cristãos estavam mais encantados com controvérsias doutrinárias do que com o viver em amor.

Observe que esse amor não é contaminado por interesses próprios. Todos sabem o que é viver por interesse próprio, procurando maximizar benefícios pessoais ou minimizar a dor nas circunstâncias que enfrentam. Aprendemos a sobreviver dessa forma no mundo. Mas o vento que Jesus revelou a Nicodemos não funciona a partir de interesse próprio; funciona com base no amor de Deus, o amor de doação. É isso que vai marcar o povo dele neste mundo.

Não é difícil compreender gente que é controlada por interesses próprios, mesmo quando utilizam a religião para alcançar seus alvos pessoais e ainda dizem que estão agindo por amor. O que não dá para entender é gente que vive pelo tipo de amor que oferece a própria vida, amor este que só Jesus consegue formar em nós. Aqueles que sabem que são bem-amados amam os outros de forma semelhante.

Antigamente, eu pensava que crescimento cristão era resultado de aprender novas verdades e colocá-las em prática. Embora tenha seu valor, na maioria das vezes não funciona. Quantas vezes você já ouviu uma pregação poderosa ou leu um livro inspirado, sentiu disposição de abraçar a mensagem e comprometeu-se a colocá-la em prática – para depois, então, falhar na hora de executar a intenção? No fim, culpamos a nós mesmos por não termos nos esforçado suficientemente e ficamos com um histórico ainda maior de fracassos.

Foi por isso que Jesus disse que o Espírito guiaria os discípulos a toda verdade (Jo 16.13). Não é algo que podemos fazer por conta própria, como se estivéssemos estudando álgebra ou latim. Jesus desafiou Nicodemos a não pensar na vida no reino como a aprendizagem de um novo catálogo de informações, mas em como viver em amor. Isso mudaria de tal forma a sua vida que as outras pessoas não mais o reconheceriam nem seriam capazes de explicar suas ações.

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