terça-feira, 16 de agosto de 2016

Aluno, Apóstolo, Amigo - Um novo paradigma para o discipulado de Jesus - parte 2



ALUNO

ALUNO 

O discipulado envolvia os trabalhos diários e tarefas simples, e o trabalho de evangelização. Nesse artigo não abordaremos as tarefas, daremos ênfase ao trabalho de evangelização, porém, ressaltamos a grande importância disso, visto que a responsabilidade deve ser desenvolvida no caráter do discípulo, e nada melhor do que tarefas práticas para avaliar o desempenho e confiabilidade de cada um.
Asher Intrater (INTRATER, 2016, p.21) mostra a necessidade do uso das tarefas no discipulado e esclarece mais adequadamente o seu objetivo:

Discipulado é o processo de cultivar amigos com potencial de ser confiáveis. O treinamento consiste de fazer uma série de experiências com um discípulo, confiando-lhe tarefas práticas que crescem em importância de acordo com seu desempenho anterior. Se for fiel numa determinada área, está apto para responsabilidades maiores. Se é fiel no pouco, é provável que seja fiel no muito. Um líder com potencial promissor deve primeiramente ser responsável por uma pequena tarefa.

3.1. O trabalho de Evangelização.

A origem da formação do discipulado de Jesus não consistiu, prioritariamente, na busca do saber pelo saber (como o faziam grandes mestres da cultura grega), nem do poder baseado na hierarquia (como o de certos líderes político-carismáticos). O que congregou um grupo em torno de Jesus foi, provavelmente, o sonho de construir um outro tipo de sociedade, na qual Deus é o senhor (Reino de Deus).
A evangelização de Jesus estava associada a implantação do reino de Deus.
Quando ele disse para os discípulos irem de dois em dois dando testemunho do reino, entrando nas casas, curando os enfermos, ressuscitando os mortos eles deveriam dizer: É chegado a vós o reino de Deus. Lucas 10:9.
O uso dos dons espirituais no trabalho de Jesus com seus discípulos mostrava-se vital para que sua mensagem fosse ouvida e o seu objetivo alcançado, pois eles estavam anunciando o Reino de Deus e a sua evidência era a manifestação do poder de Deus através dos dons espirituais.
Porém, o movimento de discipulado que aconteceu na Argentina em meados da década de 80, atingindo o Brasil e definindo seu conceito e sua aplicação, não trouxe consigo essa consciência, tornando o discipulado mais um mentoreamento[1] do que propriamente o que Jesus propunha. Os discipuladores viraram coachs[2] e os discípulos foram ensinados a serem pessoas melhores. Jamê Nobre (Nobre, 2011) em seu artigo “Os Dons Espirituais e a Igreja” ressalta esse aspecto faltante no discipulado:

Uma coisa aconteceu de forma surpreendente nesses anos: formamos homens bons, profissionais dedicados, pais conscientes, famílias exemplares, mas nos esquecemos do poder que geraria a graça para irmos aos povos e isso nos fez esquecer das nações. O discipulado se tornou em algo mental, baseado no convencimento de uma teologia aparentemente correta – digo aparentemente correta, pois ela deveria ter os elementos que nos levam a buscar uma excelência de caráter, mas esquecemos de que sem o poder do Espírito Santo o que fizermos não tem fruto permanente. Formamos pessoas sem paixão, sem compaixão, e sem a experiência dos dons espirituais para viver aquilo que ensinávamos.


Sem o poder de Deus a mensagem do Evangelho se torna refém de persuasão humana e o poder de convencimento de oradores e apologetas[3]. Jamê Nobre (Nobre, 2011) acerca disso acrescenta que:

Temos desejado sair da ignorância dos dons. Temos compreendido que os dons são as ferramentas de Deus para edificação da Igreja, de cada discípulo. Nossa mente tem sido aberta pelo Senhor para compreendermos que é impossível andar, construir, viver, sequer respirar sem o poder do Espírito Santo. Como podemos edificar sem ferramentas? Sem o poder do Espírito Santo, sem os dons espirituais, a nossa pregação se torna linguagem persuasiva de sabedoria humana. Sem o espírito de profecia perdemos o testemunho de Cristo! Considero os dons espirituais como os andaimes de uma construção. Sem eles somente construímos até a nossa altura. Não conseguiremos levantar as paredes mais além da nossa estatura. Se continuarmos colocando tijolos vamos formar uma fortaleza e não uma casa.
Como poderemos formar nossos filhos sem a Graça poderosa do Espírito Santo? Como poderemos discernir os espíritos sem os dons? Como poderemos curar sem a graça dos dons? E expulsar demônios? E beber coisas mortíferas? E ressuscitar mortos? E falar em novas línguas? Nesses últimos tempos tenho visto um pouco daquilo que o Senhor quer.

Davi Lago (Lago, 2016) em seu artigo “Quando a Igreja não serve pra nada” exorta que a Igreja que não se utiliza dos dons do Espírito estão se aperfeiçoando na carne, visto desprezarem o poder de Deus. Isso se relaciona perfeitamente com o discipulado:

Esse é um alerta urgente para a igreja hoje! Precisamos de poder! Não podemos ser crentes-árvore-de-natal: enfeitados, mas sem frutos. Não basta pregarmos sermões bem elaborados e intelectualmente perfeitos. Do mesmo modo, não basta pregarmos mensagens emotivas e sentimentalistas. Precisamos de poder! De nada vale empolgação sem transformação. De nada valem eventos e shows sem compromisso com o discipulado. Aliás, vivemos numa cultura cristã saturada de eventos. Como disse o pastor Simonton Araújo, o próprio termo se condena: “evento”, “é vento”. Na verdade, muito do que a igreja faz sob a imagem de evangelismo, não passa, afirmou o pastor Araújo, de “pesca esportiva”. O evento fisga pessoas mas depois as solta tranquilamente para o mundo.
Precisamos de poder. Precisamos perguntar hoje o que o apóstolo Paulo questionou aos gálatas: “Será que vocês são tão insensatos que, tendo começado pelo Espírito, querem agora se aperfeiçoar pelo esforço próprio? ” (Gálatas 3.3). Portanto, podemos questionar: Quando a Igreja não serve para nada? Jesus mesmo disse aos seus discípulos no sermão do monte que o sal insípido “não serve para nada”.

Davi Lago (Lago, 2016) encerra o seu artigo dizendo que:

Devemos buscar com paixão o Espírito Santo de Deus. Se não estivermos cheios de Deus não há como transbordamos! Sem enchimento não há vazão. Conforme registrado em Mateus 17.20b, Jesus disse: “Eu lhes asseguro que se vocês tiverem fé do tamanho de um grão de mostarda, poderão dizer a este monte: ‘Vá daqui para lá’, e ele irá. Nada lhes será impossível”. Para a Igreja cheia de poder, nada é impossível.


Por outro lado, Howard A. Snyder no seu livro “O Problema dos Odres” (Snyder, 1986) enfatiza que não há nada mais prático do que ensinar as pessoas a descobrirem e praticarem seus dons, visto que as ajuda a entenderem quem são e como podem ser eficazes em seu testemunho e ministério:

Não há ensinamento mais prático do que na área dos dons do Espírito. A descoberta do seu dom espiritual muitas vezes torna um cristão frustrado e condenado em um discípulo feliz e eficaz. No meu próprio caso, a descoberta dos dons esclareceu o ministério para o qual Deus tem me chamado e abriu novas perspectivas de serviço. Quando identifiquei e nomeei meus dons espirituais, foi como se todas as peças contraditórias de minha vida de repente se encaixassem. Achei a chave do que Deus estava fazendo em e através de mim um ministério feliz e eficaz deve ser resultado de identificação e responsabilidade para com os dons que o Espírito nos tem dado. Pois é o próprio Cristo que “dá dons aos homens” para que possam com alegria glorificá-lo.

Conquanto alguns achem que os dons não são vitais para o discipulado, Bill Johnson (Johnson, 2005) diz:

No Novo Testamento, esta promessa veio para todos os crentes através da Grande Comissão. Ela torna-se vital quando Deus nos pede para fazer algo que humanamente é impossível. É importante vermos isso. É a presença de Deus que estabelece a ponte entre nós e o que é impossível. Costumo dizer ao meu pessoal: "Ele está em mim para o meu bem, mas Ele está sobre mim para o bem de vocês." Sua presença torna tudo possível! Deus não precisa fazer experiências para realizar algo sobrenatural. Ele é sobrenatural. Ele teria que fazê-las para não o ser. Se Ele é convidado para uma situação, não devemos esperar nada menos que uma invasão sobrenatural.

Vemos que o reino de Deus deve ser feito da maneira de Deus e com as ferramentas que Deus deixou. Se não utilizarmos o poder de Deus dos dons, teremos que nos contentar com ferramentas humanas, mentais e emocionais como terapias, conselhos, treinamentos, autoajuda, dinâmicas, oratórias, luzes e shows.
De acordo com o que vimos, a maioria daquilo que se faz e se denomina como discipulado hoje em dia tem pouco a ver com isso. O problema é que anos a fio denominando discipulado em alguma que não é, acaba se tornando, isto é, o conceito original é deturpado por causa da prática.
A palavra de Jesus confrontava o entendimento dos religiosos da época e, parece, que também os da nossa época. E isso os leva a questionar a prática com as escrituras. Bill Johnson (Johnson, 2005) fala sobre isso:

A história geral nos dá uma lição de um grande líder militar. Alexandre, o Grande, liderou seus exércitos de vitória em vitória, e o seu desejo por conquistas cada vez maiores finalmente o levou aos pés do Himalaia. Ele queria ir para o outro lado daquelas montanhas desafiadoras. Entretanto ninguém sabia o que os esperaria do outro lado. Seus oficiais diretos perturbaram-se com essa nova visão do seu líder. Por quê? Eles tinham ido até os limites do mapa, e não havia mapa algum para aquele novo território, do outro lado, do qual Alexandre agora queria tomar posse. Aqueles oficiais tiveram que tomar uma decisão: estariam dispostos a obedecer ao seu líder, indo além dos limites do mapa conhecido, ou se satisfariam em ficar dentro desses limites? Eles decidiram obedecer a Alexandre. Obedecer a direção do Espírito Santo pode colocar-nos neste mesmo dilema. Conquanto Ele nunca contradiz a Sua Palavra, o Espírito Se põe muito à vontade para contradizer o nosso entendimento dela. Aqueles que se sentem seguros em virtude de sua abordagem intelectual das Escrituras desfrutam de um falso senso de segurança.
Nenhum de nós tem um pleno entendimento das Escrituras, mas todos temos o Espírito Santo. Ele é o nosso denominador comum, que sempre nos conduzirá à verdade. Mas, para obedecer a Ele, precisamos estar dispostos a sair dos nossos limites - temos que ir além do que conhecemos. Para fazermos isso com sucesso, temos que reconhecer a Sua presença, acima de tudo. Há uma grande diferença entre o modo de ministrar de Jesus e o modo usual de como se ministra nos dias de hoje. O Senhor era completamente dependente do que o Pai estava fazendo e dizendo. Ele demonstrou claramente esse seu estilo de vida logo depois de ter sido batizado pelo Espírito Santo. Ele seguiu a liderança do Espírito, mesmo quando parecia ser um procedimento irracional, o que com frequência acontecia.


O discipulado proposto por Jesus tinha a manifestação do poder de Deus como evidência de que o Reino de Deus tinha chegado. Um discipulado que não ajuda as pessoas a descobrirem, desenvolverem e exercitarem seus dons tem pouco a ver com o discipulado de Jesus, pois como Paulo dizia: O reino de Deus não consiste em palavra, mas em poder. (I Cor. 4:20 NVI) ou como Bill Johnson  (Johnson, 2005) disse: 

Toda revelação da Palavra de Deus que não nos conduza a um encontro com Deus somente serve para nos tornar mais religiosos. A Igreja não pode permitir-se a ter "forma, mas sem poder", pois isso gera cristãos sem um propósito.

A Metodologia do Discipulado 

Jesus poderia escolher qualquer metodologia para ensinar seus discípulos. Poderia ter utilizado o ensino online, por correspondência, por livros, dando aulas em uma escola, enfim, ele poderia escolher em qual data nascer e qual metodologia de ensino utilizar. Ele escolheu viver cerca de 3 anos e meio com eles.
Jesus é o mestre dos mestres e também decidiu utilizar, de forma brilhante diversas maneiras para se fazer entender e explicar coisas sobrenaturais. Preleções e discursos foram utilizados por Ele para anunciar o Evangelho para multidões. Os cinco discursos principais, baseados no evangelho de Mateus foram: Sermão da Montanha (capítulos 6, 7 e 8), Discurso da Missão (cap. 10), Discurso das Parábolas (cap. 13), Discurso sobre a Igreja (cap. 18) e o Discurso das Oliveiras (cap. 24).
Também se utilizou de objetos e coisas do dia a dia – pão, sal, sol, cálice etc. Além da dramatização – quando trouxe as crianças, quando lavou os pés dos discípulos. Histórias e parábolas – Aparecem 50 vezes no Novo testamento.
Também foi exímio ao provocar as consciências através de perguntas, além de discussões e debates. Mauro Nilo Schneider (2015) mostra algumas das muitas perguntas utilizadas por Jesus aos seus diversos interlocutores. Aqui ressaltamos as direcionadas aos seus discípulos:
Os discípulos: a estes Jesus fez muitas perguntas. A dois discípulos de João Batista que passaram a segui-lo perguntou: Que buscais? (João 1.38). Sobre sua identidade, Jesus, em outro momento perguntou aos doze: Mas vós...quem dizeis que eu sou? (Mt 16.15). Depois de um duro embate com os judeus, muitos seguidores o abandonaram, e diante do fato ele os questiona: Porventura, quereis também vós outros retirar-vos? (João 6.67). Quando Pedro começou a afundar no Mar da Galileia, Jesus o socorreu, questionando-o: Homem de pequena fé, por que duvidaste? (Mt 14.31). Em outro momento, diante da inércia dos discípulos que não sabiam lidar com um jovem enfermo, Jesus exclama: Ó geração incrédula e perversa! Até quando estarei convosco? Até quando vos sofrerei? (Mt 17.17). Ao Filipe disse: Filipe, há tanto tempo estou convosco, e não me tens conhecido? (João 14.9).
Ele encarnou, viveu, praticava aquilo que ensinava. Os discípulos não somente podiam entender o que Jesus fazia, mas também imitar seus procedimentos e atitudes. Eles ouviam o que Ele ensinava, mas também conseguiam ver a expressão da sua face, o tom e a altura da sua voz, a intensidade dos seus movimentos, tudo enquanto os fatos ocorriam no contexto de fome, dor, preconceito, perseguição, conflito, sublimação, angústia, alegria, tristeza etc. A frase célebre resume a força deste modo de ensino, "Aquilo que você é fala tão alto que não posso ouvir o que você diz." A melhor encadernação para os Evangelhos nunca foi qualquer que fosse a capa de couro: e, sim, a pele humana.
J.M.Price (Price, 1980 p. 7,8) diz sobre isso:

A encarnação da verdade pelo mestre afetava o seu ensino pelo menos de duas maneiras. Em primeiro lugar, dava-lhe um tom de autoridade que se não via nos escribas e rabinos do seu tempo — os professores oficiais dos dias de Jesus. A sabedoria destes era mais aquela vinda de fora, era matéria de oitiva, ensinavam mais citando autoridades e a tradição. A sabedoria de Jesus vinha de dentro e não precisava de escoras ou de confirmação.  "Este mestre era diferente.   Não citava ninguém, e apresentava sua própria palavra como suficiente." Portanto, ensinava com clareza meridiana, com convicção e poder. O povo "se admirava do seu ensino, porque ele os ensinava como quem tinha autoridade, e não como os escribas" (Mar.1:22). O fato de viver aquilo que ensinava também inspirava confiança naquilo que dizia. O povo viu corporificado no que ele praticava aquilo que ele queria que eles fizessem. Anotavam como ele se comportava diante da tristeza, da crítica, do desapontamento, da perseguição. O seu modo de viver reforçava e dava peso àquilo que dizia. "A maior coisa que seus discípulos aprenderam de seus ensinos não foi a doutrina, e, sim, sua influência. Até a última hora de suas vidas, a maior coisa foi o terem eles estado com Jesus." Por isso, "designou doze para estarem com ele" (Mar.3:14). Como mestres humanos podemos demonstrar em nossa vida "o delineamento do Cristo que mora em nós". Somente assim podemos estar na altura deste primeiro teste de habilitação ou idoneidade.

Concorda com isso Keith Phillips (2008, p. 20) quando definiu:

O discipulado cristão é um relacionamento de mestre e aluno baseado no modelo de Cristo e seus discípulos, no qual o mestre reproduz tão bem no aluno a plenitude da vida que tem em Cristo que o aluno é capaz de treinar outros para que ensinem outros.


Esse relacionamento tão perto de quase três anos foi essencial para imprimir neles muito mais do que ensino. Além de ensinar o que fazer com o poder que eles tinham recebido, Jesus queria que eles tivessem a motivação certa: o amor.



[1] Mentorear é o processo de transmissão de bagagem de conhecimentos e experiências a pupilos, no sentido de sua orientação, da facilitação do seu auto-descobrimento e do aperfeiçoamento de suas potencialidades de liderança. Nesse processo, o mentor não dita regras e informações, mas permite que outros o conheçam e ao mesmo tempo se revelem nas fraquezas onde desejam se fortalecer.
[2] Coach é uma palavra em inglês que significa treinador, instrutor e pode também ser um tipo de ônibus. Em inglês, quando usada como verbo, a palavra coach significa treinar ou ensinar. Além disso, um coach ou coacher é um profissional que exerce o coaching, uma ferramenta de desenvolvimento pessoal e profissional.
[3] Apologeta é aquele que tem por fim defender a religião cristã.

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